O ano está terminando está na hora de começar a pensar no Planejamento Estratégico para o ano que vem.

O problema é que, como já defendi em outras ocasiões, o planejamento estratégico tradicional não funciona. Não vou repetir aqui os argumentos em detalhes, mas o resumo da ópera é que o planejamento estratégico tradicional é rígido, ignora a Cultura Organizacional e deixa de lado a Arquitetura Corporativa de Negócios da organização. Em outras palavras, o planejamento estratégico tradicional não provê uma Visão Holística para o negócio.

Planejamento Estratégico Holístico?

Dizer que o planejamento estratégico precisa ser holístico pode parecer absurdo, por redundante. Todo planejamento estratégico não é holístico, afinal de contas?

Infelizmente, não! Ao deixar de fora cultura e arquitetura, o cenário está pronto para que, no momento do desdobramento das metas estratégicas para as áreas de negócio, aconteça aquilo que é uma das maiores “pestes” das empresas: o isolamento em Silos, o Feudalismo Organizacional.

Cansamos de ver empresas com lindos planejamentos estratégicos – feitos com apoio de grandes empresas de consultoria – que, assim que desdobrados, perdem seu caráter sistêmico e holístico: cada departamento assume as suas metas estratégicas e ignora completamente as metas estratégicas no departamento vizinho. Também vemos metas estratégicas que batem de frente com a cultura da empresa e outras que estão completamente fora da realidade por não levar em conta a arquitetura da organização.

Mas essas observações críticas eu já fiz em diversas outras ocasiões.  Neste artigo, eu gostaria de propor algo mais positivo: um pequeno guia de Quatro Passos para que você faça o Planejamento Estratégico de sua empresa para o ano que vem de tal forma que a estratégia da empresa esteja sempre dentro do contexto da Visão Holística. Vamos a eles.

‌Passo 1: Defina sua Visão Estratégica Holística

O primeiro passo consiste em definir a Visão Estratégica Holística da organização, que consiste na definição (ou revisão) do Propósito e da Missão da empresa e de sua Visão De Negócio de longo prazo.

O Propósito da empresa responde à pergunta “Por que é que nós existimos?”  É a razão de sua existência. 

A Missão por outro lado, responde à pergunta “O que nós fazemos e para quem?”, incluindo, possivelmente, os benefícios que a organização provê a seus clientes e à sociedade.

Por sua vez, a Visão descreve “que cara” a empresa quer ter no futuro. A Visão tem que ser suficientemente específica e detalhada para prover um Norte para todos os colaboradores, especialmente o time de liderança. Nos momentos de dúvida e crise, a Visão funciona como a direção a ser perseguida, ajudando na tomada de decisões difíceis. Por outro lado, como vivemos em um mundo de transformações cada vez mais rápidas, a Visão tem que ser suficientemente flexível para permitir que a organização se adapte às mudanças que necessariamente encontrará pelo caminho.

Algumas empresas combinam Propósito e Missão em uma única declaração, e está tudo bem, desde que tanto as perguntas “por quê” e “o quê e para quem” estejam respondidas.

Uma boa discussão mais aprofundada sobre esses conceitos pode ser vista neste artigo e nesse outro.

Passo 2: Defina sua Cultura Intencional

Como já dissemos em outras ocasiões, toda empresa tem uma cultura organizacional. Esta cultura organizacional pode surgir ou emergir aleatoriamente ou pode (e deveria) ser uma Cultura Intencional. É função do time de liderança definir qual é a cultura organizacional que a empresa quer ter. Isto é a Cultura Intencional, ou seja, uma cultura que tem uma intenção por trás.

A Cultura Organizacional – que é o conjunto de crenças e valores compartilhados pelos membros da organização e que influenciam o seu comportamento – para que seja intencional, tem que passar evidentemente pela identificação e alinhamento das crenças e valores dos fundadores e do time de liderança da organização. E aqui temos uma atividade fundamental para o planejamento estratégico que rarissimamente é feita e que atrapalha muito na hora de obter um Planejamento Estratégico Holístico: o trabalho de autoconhecimento por parte dos fundadores e líderes da empresa e o esforço de alinhamento cultural. Embora existam técnicas bem estabelecidas para fazer isso, tais como a Análise de Crenças e Valores, essas técnicas raramente são usadas no contexto do planejamento estratégico.

Como a observação final, vale lembrar que, numa empresa onde as crenças e valores de seus líderes não estejam alinhadas, os riscos para o atingimento da Visão são enormes. Se os líderes acreditam e dão valor a coisas diferentes e muitas vezes contraditórias, como é que eles podem remar na mesma direção?

Passo 3: Defina sua Arquitetura de Negócio

 O terceiro passo é definir a Arquitetura da organização.

 Podemos falar em arquitetura externa e arquitetura interna.

Arquitetura externa diz respeito ao contexto organizacional dentro do qual a organização se encontra. É aqui que entram as técnicas tradicionais de planejamento estratégico tais como as Análises SWOT, PESTEL, Cinco Forças etc. Esse aspecto do planejamento estratégico é muito conhecido e não precisamos entrar em detalhes sobre ele agora. Infelizmente, na maioria dos casos que vemos, o que a empresa chama de “planejamento estratégico” se resume à aplicação destas técnicas seguida imediatamente da definição de metas e objetivos.

Já a arquitetura interna é aquela usualmente conhecida como Arquitetura Corporativa ou Arquitetura de Negócio.  Poderíamos dizer que a Arquitetura Corporativa é o autoconhecimento da empresa e é tão necessário quanto o autoconhecimento individual das pessoas físicas que são os líderes do negócio. Em outras palavras é o autoconhecimento da pessoa jurídica. Passa pela identificação em alto nível de todos os itens representados no quadro abaixo e da relação entre eles, tanto em sua situação atual quanto desejada, ou seja, baseada na Visão.

Embora eu já tenha discutido em maiores detalhes a questão da Arquitetura, neste artigo eu gostaria de chamar a atenção para uma “caixinha” específica: a das Competências Gerenciais.  

Como eu disse acima, é fundamental que exista alinhamento de propósito, crenças e valores entre os membros do time de liderança da organização. Por outro lado, é fundamental que haja uma diversidade de estilos de liderança entre esses mesmos membros. O modelo que eu uso em meus treinamentos e projetos de consultoria – no que diz respeito a esta necessária diversidade – é o da teoria Adizes, que prega que deve haver equilíbrio entre os quatro papéis ou perfis gerenciais representados pelas iniciais PAEI:  Produtor, Administrador, Empreendedor e Integrador. Esses quatro papéis sempre precisam estar presentes, embora a importância relativa entre eles varie conforme o momento do Ciclo de Vida em que a organização se encontra.

A razão pela qual eu quis destacar esse assunto aqui é porque a análise dos papéis PAEI é uma das atividades fundamentais que tem que ser feitas durante o planejamento estratégico. Identificar e endereçar os gaps no mix de estilos gerenciais do time de liderança é essencial para que o plano estratégico funcione. Ou seja, não é alguma coisa que pode ser deixada para depois.

Passo 4: Defina seus Objetivos, Metas e seu Roadmap Estratégico

O planejamento estratégico tradicional começava com a definição de objetivos e metas. Mais tarde veio o reconhecimento da necessidade também de estabelecer os aspectos de Visão, Missão e Propósito. Também se começou a discutir a questão dos Valores, mas muitas vezes sem perceber que os valores são apenas uma parte da Cultura Intencional.

Como vimos neste artigo, só agora, depois de ter definido Visão, Propósito, Missão, Cultura Intencional e de ter feito a análise do ambiente externo e da arquitetura interna da organização, só agora – repito – a empresa está pronta para definir seus objetivos e metas estratégicos. Mas nem isso basta. É necessário que esses objetivos e metas sejam associados a iniciativas, que se transformarão em projetos. O Portfólio de Programas e Projetos necessários para implementar a Estratégia de forma Holística, levando a empresa a cumprir o seu Propósito e Missão e atingir a sua Visão, precisa agora ser priorizado e jogado em uma linha de tempo: o famoso Roadmap Estratégico – quais são os projetos, quais são as dependências entre eles, e em que ordem serão executados.

Conclusão

Espero ter conseguido cumprir o meu objetivo com este artigo: mostrar que o Planejamento Estratégico Holístico vai muito além do planejamento estratégico tradicional ao incluir os conceitos de Cultura intencional e Arquitetura de Negócios e, com isso, garante que a visão do todo nunca se perca e que, portanto, mudanças de curso diante de obstáculos possam ser feitas de forma muito mais ágil é flexível.

Acredito que, sem a Visão Holística do Planejamento Estratégico, vamos continuar tendo o que tivemos nas últimas décadas: planos estratégicos que raramente são cumpridos.

 

Para maiores informações, não deixe de assistir aos webinars gravados e organizados na playlist “O que é um Negócio” no Youtube. Aproveite para se inscrever no canal!

 

Já faz algum tempo que os métodos ágeis estão na moda. E com bom motivo. As ideias por trás deles são sólidas e vieram para ficar.

Mas, em muitos casos, a adoção de métodos ágeis não resolveu os problemas que se propunham a solucionar e ainda criaram problemas novos.

No auge de sua fama, criaram-se “igrejinhas” que iniciaram uma “Guerra Santa” entre Waterfall e Agilidade.

Essa guerra, na minha opinião, não faz sentido, porque ambos os lados estão parcialmente certos e apresentam argumentos sólidos para suas posições. A solução, como quase sempre, está em algum tipo de meio termo.

Mas, de qualquer forma, ambos os lados desta guerra sofrem com a falta de Visão Holística. Pode ser argumentado que a adoção em massa de métodos ágeis não só não resolveu, mas aprofundou o problema dos Silos de Informação que já existiam nos métodos mais antigos.

Histórico dos Métodos Ágeis

Os métodos ágeis surgiram no contexto do desenvolvimento de software e depois se expandiram para outras atividades dentro das empresas.

É bom lembrar que, no contexto do desenvolvimento de software, as ideias por trás dos métodos ágeis não podem de forma alguma serem consideradas novas. As discussões sobre o assunto se iniciaram na década de 1950. Meu primeiro contato pessoal com o assunto foi através do RAD (Rapid Application Development) e do “ciclo de vida espiral” de Barry Boehm (anos 80 e 90). Depois veio a moda do “desenvolvimento iterativo e incremental” e do “Unified Process“,  mais tarde o XP (Extreme Programming), o SCRUM, o PSP/TSP de Watts Humphrey e, finalmente, o “Manifesto Ágil” em 2001.

Em comum, todos esses métodos têm como características as seguintes ideias de fundo:  fazer “as coisas” de forma incremental, em ciclos curtos de tempo (normalmente fixos – Time Boxes), usando um time multidisciplinar que interage próxima e frequentemente com os usuários ou clientes das “coisas” que estão sendo criadas.

Coloco “coisas” entre aspas porque, no início, essas “coisas” eram exclusivamente software, mas, posteriormente, os sucessos alcançados levaram à expansão do conceito para outras áreas.  Hoje vemos Planejamento Estratégico Ágil, Desenvolvimento Ágil de Novos Produtos, Arquitetura Corporativa Ágil e até mesmo Gestão de Pessoas Ágil. O conceito, definitivamente, “pegou”.

Benefícios e Limitações dos Métodos Ágeis

De forma geral, os benefícios dos métodos ágeis são bem conhecidos: entregas mais rápidas e mais aderentes às necessidades dos clientes figuram entre as mais importantes. Há uma literatura imensa disponível na internet sobre esses benefícios e, portanto, não tenho intenção aqui de entrar em detalhes. 

Por outro lado, alguém importante no ecossistema de métodos ágeis (Scott Ambler talvez, mas não me recordo exatamente) disse alguma coisa como “métodos ágeis funcionam quando sua empresa tem um único software para ser desenvolvido”.  Pode parecer uma declaração bombástica e exagerada, mas não está muito longe da verdade, especialmente quando levamos em conta apenas a primeira geração de métodos ágeis. Esses métodos eram nada mais nada menos do que métodos de gestão de projetos e, portanto, aplicáveis individualmente a cada projeto, sem levar em conta a visão do todo, sistêmica, ou seja, aquilo que costumo chamar de Visão Holística.

Em um ambiente de muitos sistemas complexos e interligados, projetos ágeis tem grande dificuldade em prover a integração necessária e em reduzir ou impedir redundância e retrabalho.

Não demorou muito para que essas limitações fossem percebidas, especialmente quando os métodos ágeis começaram a ser usados em peso em grandes empresas.

Por conta disso, muitas soluções para essa questão foram propostas.

Soluções e suas Respectivas Limitações

Talvez a mais famosa dessas propostas de solução seja o SAFe (Scaled Agile Framework), embora existam muitas outras como o DAD (Disciplined Agile Delivery) – esse último do próprio Scott Ambler. Há algum tempo, fiz um webinar discutindo esses frameworks e sua aplicabilidade em relação a Arquitetura Corporativa de Negócio, especialmente diante da questão de se é possível ter uma Arquitetura Corporativa Ágil. Você pode rever essa discussão aqui.

Embora essas propostas ajudem a resolver várias das limitações dos métodos ágeis “puros”, elas ainda contam com as suas próprias limitações. Ou seja, não chegaram a uma Visão Holística completa por ainda estarem muito limitadas, por seu contexto histórico, a processos parciais dentro das empresas; em particular, à tecnologia da informação e o desenvolvimento de software.

Visão Holística: Agilidade com Contexto

A Visão Holística, como tenho defendido em vários artigos, parte da visão tripartite das organizações, ou seja,  da adoção da metáfora humana às empresas, vendo-as como um composto de Mente (Estratégia), Corpo (Arquitetura Corporativa de Negócio) e Alma (Propósito e Cultura Organizacional Intencional).

Embora o SAFe e outras propostas mais recentes toquem nos assuntos de arquitetura e cultura, eles ainda o fazem de maneira ambígua e superficial. Precisamos ir mais longe.

Para termos de verdade uma Visão Holística, Precisamos de colaboradores que sejam mais generalistas e tenham visão sistêmica e um conjunto de soft skills fundamental, do qual muito se fala, mas pouco se faz.

 Um possível caminho para atingirmos esse estado passa pelas seguintes etapas:

  1. Adoção de uma prática de Arquitetura Corporativa
  2. Adoção de práticas que levem a empresa a uma Cultura Intencional
  3. Modificação na forma atual de se fazer planejamento estratégico, passando a ver a Estratégia como algo inseparável da Arquitetura e da Cultura
  4. Desenvolvimento dos Soft Skills dos colaboradores

Já falei de alguns desses assuntos em artigos recentes (e nem tão recentes) que estão listados no link acima para quem quiser se aprofundar. Mas voltarei a eles todos entrando em mais detalhes sobre cada uma dessas etapas em artigos futuros.

Por enquanto, recomendo a minha playlist no YouTube “O que é um negócio” onde esses assuntos são tratados em mais detalhe.

Mas o resumo da Ópera é o seguinte: métodos ágeis são ótimos, mas, tomados isoladamente, são “sub-ótimos”, ou seja, soluções parciais que, se não tomarmos cuidado, produzem mais problemas do que aqueles que estávamos tentando resolver.

 

Transformação Digital é uma das buzzwords do momento. Todo mundo quer fazer ou diz que está fazendo.

No entanto, pesquisas mostram que no máximo um terço dos esforços de transformação digital estão bem encaminhados. Pessoalmente, acho esse número exagerado. Pela minha experiência, acredito que o número de projetos de transformação digital que darão certo é bem menor do que 33%.

Isso acontece por muitos motivos e gostaria de falar de alguns deles agora.

O “motivo zero”, que nem vou colocar na conta, é que cada pessoa falando de “transformação digital” está normalmente se referido a uma coisa diferente.

Há quem pense que transformação digital é comprar a tecnologia mais recente e brilhante. Há quem confunda transformação digital com automação do back office. E ainda existem gestores que pensam que transformação digital é algo que possa ser feito separadamente em cada departamento ou área da empresa.

De forma geral, o que parece estar faltando na maioria dos casos é boa e velha Visão Holística da organização.

Quem acompanha o meu trabalho sabe que sempre insisto neste assunto, e que, para mim, a Visão Holística é composta de três partes coordenadas, a Estratégia, a Arquitetura Corporativa de Negócio, e a Cultura Organizacional da empresa.

Usando esse referencial, vamos ver em seguida como é que a falta de alinhamento com cada um desses três itens impede projetos de transformação digital de darem certo. Depois disso, falaremos de dois itens adicionais: as deficiências em soft skills nas equipes das empresas e, por último, o fato surpreendente e paradoxal de que algumas das empresas que dizem estar fazendo transformação digital na verdade já o fizeram.

1. Desalinhamento com a Estratégia

A transformação digital diz respeito à utilização das tecnologias digitais para a transformação do negócio como um todo. Então, é evidente que a ideia de transformação digital não pode ser apenas um item no Plano Estratégico, mas sim uma espécie de “pano de fundo” ou premissa sobre a qual a estratégia da empresa como um todo é desenhada.

É fácil identificar estes desalinhamentos: executivos da alta administração (C-Level) não engajados nem comprometidos, metas estratégicas que ignoram completamente a ideia de transformação digital, falta de objetivos e iniciativas de inovação e assim por diante.

Talvez o indicador mais marcante desta falha seja a ideia de que “a transformação digital é responsabilidade do CIO”.

Enquanto a transformação digital não for vista como atribuição e responsabilidade dos níveis mais altos administração da empresa (do time de liderança como um todo, não apenas do CIO) ela simplesmente não vai acontecer.

2. Falta de atenção à Arquitetura Corporativa de Negócio

Nesta categoria caem as iniciativas de transformação digital isoladas, vistas como responsabilidade de áreas ou departamentos separados. Normalmente, isto é consequência do problema identificado no item anterior.

Mas mesmo em organizações onde existe comprometimento pelo C-Level, vemos os executivos chefes de cada área tentando fazer a tal transformação digital isoladamente dos demais. Isso leva a redundâncias, retrabalho, falta de integração e às enormes dificuldades em termos de tempos e custos quando se quer fazer qualquer mudança.

Na falta da visão sistêmica, integrada, holística que a arquitetura corporativa de negócio dá, em vez de transformação digital vemos uma série de “transformações digitais” parciais, que não falam umas com as outras.

3. Desalinhamento com a Cultura Organizacional

O relacionamento entre cultura organizacional e transformação digital é complexo e de duas mãos.

Por um lado, não adianta tentar transformar digitalmente a organização numa direção incompatível com a sua cultura, ou seja, seus valores e crenças básicos compartilhados. Se, por exemplo, um dos valores da empresa é o atendimento pessoal (e não apenas personalizado) a cada cliente, e a empresa pretende preservar este valor, todo esforço de transformação digital tem que levar isso em conta, ou seja, novas formas, mais digitais, de relacionamento com o cliente não poderão substituir completamente relacionamento individual e pessoal.

Por outro lado, a transformação digital pode exigir mudanças na cultura da organização. Isso é sempre difícil, tanto por razões políticas quanto pela velha “resistência à mudança”, que ocorre em qualquer processo de transformação, digital ou não.

Se, por exemplo, a empresa não tem uma cultura de excelência no atendimento ao cliente, é improvável que a transformação digital funcione, uma vez que um dos seus pontos principais é justamente usar as tecnologias digitais para atender melhor a estes mesmos clientes.

Levar em conta a cultura organizacional nos processos de transformação digital significa, portanto, reavaliar a cultura tal como ela é hoje, decidir o que quer ser mantido e o que precisa ser mudado, e planejar e executar estas mudanças. No caso dos aspectos da cultura que merecem ser mantidos, isto tem que influenciar o desenho das iniciativas de transformação digital.

4. Falta de Soft Skills

Embora este item esteja relacionado ao anterior, por sua importância ele merece aqui um tratamento à parte.

Sem a aquisição dos chamados soft skills por parte dos colaboradores da empresa, qualquer esforço de transformação digital será muito difícil.  Competências tais como visão sistêmica, negociação, trabalho em equipe, comunicação (e assim por diante) são fundamentais para superar os obstáculos mencionados nos itens anteriores.

Infelizmente, a imensa maioria das empresas, com ou sem projetos de transformação digital, ignoram solenemente esta questão. Seus programas de treinamento e capacitação de funcionários não incluem esses itens, essas competências mal aparecem nos processos de definição de metas e avaliação de desempenho e nos demais processos de Gestão de Pessoas.

Poucas empresas pensam em fazer transformação digital sem a participação da área de TI (embora muitas achem que a responsabilidade é exclusivamente da área de TI, como vimos mais acima). Infelizmente, muitas tentam fazer isso sem o engajamento da área de Gestão de Pessoas.  Não vai dar certo.

5. Você já fez

Este último item tem relação com aspecto de buzzword da expressão “transformação digital”.

Como todo mundo quer aparecer bem na foto dizendo que está fazendo “transformação digital”, acabamos por ver a situação levemente bizarra de empresas abraçando a expressão que, na realidade, já fizeram ou estão fazendo transformação digital há décadas. Refiro-me, por exemplo, às empresas do setor financeiro, especialmente os grandes bancos.

Poderíamos simplificar a definição de “transformação digital” dizendo que um de seus aspectos principais trata de disponibilizar a tecnologia para os clientes finais da empresa, e não apenas para os próprios funcionários, que é o caso da automação de processos tradicional. “O Usuário é o Cliente!”  é o lema vinculado a esta ideia.  Ora, é o que as grandes empresas que usam a tecnologia para se relacionar diretamente com os clientes, como os bancos, vêm fazendo há décadas.

Claro que isso não significa que tudo é perfeito, lindo e maravilhoso. Transformação digital é um processo contínuo, não acaba nunca. Mas tem muita gente que já começou faz décadas. E é levemente engraçado ver essas empresas anunciando que estão “fazendo transformação digital” como se tivessem embarcando nisto agora.

Conclusão

O resumo da ópera é que, se as empresas querem que transformação digital passe do nível de buzzword para a realidade, elas terão que garantir que todo o time de alta administração tenha a visão holística necessária, que ela não seja apenas mais um item mas sim o pano de fundo de toda a estratégia da empresa, que existam processos de arquitetura corporativa de negócio que garantam a implementação de novas tecnologias de maneira ordenada e integrada, e que os aspectos culturais e políticos sejam levados em conta de forma muito mais profunda do que normalmente são.

Para saber mais sobre Visão Holística, veja a minha playlist “O que é um Negócio” no Youtube.

 

Todo mundo conhece Alex Osterwalder e seu Business Model Canvas.

Sua empresa, a Strategyzer, já é famosa por “inovar no assunto inovação”, e eles acabam de lançar um novo Canvas: o Innovation Project Scorecard.

Trata-se de uma ferramenta destinada a ajudar equipes de inovação em seu progresso na direção de novos produtos e serviços. Serve tanto para Startups quanto para equipes de inovação em empresas já estabelecidas.

A ferramenta é mais ou menos autoexplicativa, mas, mesmo assim, pretendo criar nos próximos dias uma aula online para apresentá-la e discutir sua aplicação.

Uma das coisas que me chamou a atenção na ferramenta é que, logo na primeira pergunta, ela toca em uma questão na qual eu sempre insisto e vejo muito pouco levada em consideração na maioria das empresas: a sua Cultura Organizacional.

A “questão cultural”, como eu sempre insisto, é quase sempre deixada de fora tanto no Planejamento Estratégico quanto nos esforços de inovação, incluindo a Transformação Digital, da qual todo mundo fala, mas muito pouca gente sabe do que se trata.

Não adianta planejar nem inovar se você não leva em consideração a cultura de sua empresa. O pior é que a maioria das empresas nem sequer sabe qual é a sua cultura…

A cultura da empresa é influenciada principalmente pelas crenças e valores de seu time de liderança. Pode parecer difícil de acreditar, mas a maioria dos fundadores, sócios e executivos de empresas não tem autoconhecimento suficiente sequer para saber quais são suas próprias crenças e valores! O resultado é o surgimento de uma cultura disfuncional e frequentemente caótica.

Some-se a isso o frequente desconhecimento da arquitetura interna de negócio da empresa e temos a tempestade perfeita.

Venho defendendo a metáfora do ser humano para descrever a empresa. Se levarmos em conta a tríade mente-corpo-espírito de uma pessoa, podemos imaginar empresa similarmente como uma tríade de mente (estratégia), corpo (arquitetura) e espírito (propósito e cultura).

Caso esses três elementos não estiverem organicamente alinhados, o resultado será uma empresa com problemas.

A solução? Obviamente, integrar e alinhar esses três elementos. Planejar olhando a arquitetura e a cultura, entender a arquitetura atual e desenhar a arquitetura futura olhando para o propósito, visão e planos estratégicos e tomar o controle sobre a cultura organizacional, procurando guiá-la na direção de uma Cultura Intencional.

Cada um desses assuntos merece um ou vários livros, de modo que é claro que não é possível detalhá-los aqui neste momento. Mas vou tratar em mais detalhes de cada um deles em artigos futuros publicados aqui.

Para já, ficarei satisfeito se o meu leitor entender a futilidade do planejamento estratégico desconectado da arquitetura e da cultura da empresa. tenho feito palestras para empreendedores e empresários sobre este assunto e a reação, em geral, é unânime: o problema é óbvio, universal e quase ninguém faz nada a respeito.

Mas estar alerta para o problema é, como sempre, o primeiro passo para resolvê-lo.

No segundo semestre da cada ano, muitas empresas realizam seu ritual periódico de planejamento estratégico. Os executivos reúnem-se para revisar o planejamento em curso e estabelecer objetivos e metas para o próximo período.

Cada executivo, naturalmente, conhece relativamente bem os detalhes da operação de sua área, mas, devido às pressões do dia-a-dia e às inevitáveis dificuldades de comunicação, seu conhecimento a respeito das demais áreas é quase sempre bastante fragmentário. Mesmo no que se refere a sua própria área, às vezes o executivo dispõe apenas de alguns indicadores mais ou menos confiáveis. Sobre a empresa como um todo, pode acontecer de ele ter que se dirigir à reunião com pouco mais do que os últimos balancetes. Assim, não é incomum que esses executivos vão para as reuniões de planejamento estratégico com a desconfortável sensação de que serão chamados a tomar decisões estratégicas com base em informações em quantidade insuficiente e de qualidade duvidosa.

O processo de planejamento utiliza diversas ferramentas para ordenar e guiar o pensamento e as discussões. Análises SWOT, modelos de referência como a Cadeia de Valor de Michael Porter e o Balanced Scorecard estão entre as ferramentas mais populares. Às vezes, estão disponíveis dados de produção ou de mercado em ferramentas de Business Intelligence. Aqui ocorre o segundo mal-estar. Muitas dessas técnicas e ferramentas produzem resultados tão bons quanto os dados de entrada disponíveis. Ou seja, se a informação de entrada é incompleta ou inadequada, o resultado da aplicação das técnicas pode deixar a desejar.

Tomemos, por exemplo, a análise SWOT. O “S” e o “W” dizem respeito forças e fraquezas internas da organização. Pode haver pouca informação confiável a este respeito. Durante as reuniões de planejamento estratégico, idéias são colocadas na mesa, hipóteses são levantadas e opções são discutidas. Infelizmente, a discussão sobre as opções muitas vezes é feita com base em hipóteses e pressupostos não verificáveis no momento das reuniões, sendo que, o que é pior, trata-se de informação disponível na empresa, mas não se sabe onde nem com quem!

É costume referir-se à Estratégia como “olhar a floresta em vez de olhar as árvores”. O problema é que, no mundo real, não dá para entender a floresta sem conhecer bem as árvores também. Grandes decisões estratégicas podem ser técnica ou economicamente inviáveis quando sua implementação é desdobrada em detalhes.

Ao final do processo de planejamento estratégico, o executivo sai com um conjunto de metas que precisa alcançar em sua área. Neste momento, ocorre o terceiro mal-estar, pois é freqüente que o executivo não saiba por onde começar. Afinal, é sabido que comunicar a estratégia e transformá-la em operação no dia-a-dia é um dos maiores desafios das organizações. Na falta de melhores instrumentos, o executivo acaba se restringindo a cobrar “mais empenho”. Mas a implementação da estratégia tem que ser mais do que “vamos trabalhar mais duro”.

Um exemplo concreto

 Suponhamos que a empresa esteja enfrentando um ambiente competitivo que se acirrou no último período. Novos entrantes muito ágeis surgiram, e os concorrentes tradicionais responderam de forma agressiva, levando a uma guerra de preços que reduziu a rentabilidade de todas as empresas no setor. Além disso, nossa empresa-exemplo, por não ter respondido a tempo, acabou por perder participação de mercado.

Vamos supor que, no momento do planejamento estratégico, a nossa empresa disponha de informações razoáveis sobre o mercado. Ela precisa decidir o que fazer. Ao longo das discussões, surgem três opções estratégicas preferidas:

  1. Reduzir preços também, para recuperar o market-share perdido, reduzindo custos ao mesmo tempo para preservar a rentabilidade;
  2. Investir na diferenciação da oferta da empresa, sem alterar significativamente os preços, com foco em fidelização dos clientes atuais e expansão da base;
  3. Entrar em novos segmentos de mercado, pouco explorados pelos concorrentes.

Como decidir entre estas opções? Na falta de informação completa e confiável sobre as forças e fraquezas internas da organização, é muito difícil.

Seria necessário responder a perguntas como:

  • Temos espaço para reduções significativas de custos? Quanto custam nossos processos de negócio? Eles podem ser racionalizados de modo a gerar reduções significativas de custo? Quanto vai custar para reduzirmos os custos de nossos processos? Isso pode ser feito em um horizonte de tempo viável?
  • Se optarmos pela estratégia de diferenciação, quais os nossos atuais processos de negócio que precisam ser revistos? Os processos, como são hoje, dão conta de sustentar esta estratégia? Se tivermos que mudar esses processos, quais os impactos? Que processos relacionados precisariam ser revistos? Nossos Sistemas de Informação atuais dão conta dos novos processos necessários? Vamos precisar de novos sistemas? Podemos alterar os atuais? Quanto tempo vai levar e quanto vai custar? Nosso time de colaboradores possui as competências necessárias para sustentar esta nova estratégia? Podem ser capacitados? Quanto tempo vai levar e quanto vai custar?
  • Da mesma forma, se optarmos por atacar novos segmentos de mercado, de que novos processos, sistemas e competências precisaremos?

Esses são apenas alguns exemplos de perguntas cujas respostas são essenciais para a tomada de decisão informada em um processo de planejamento estratégico. Mas essas respostas, muitas vezes, estão escondidas em lugares que os executivos planejadores não sabem nem mesmo por onde começar a procurar.

Arquitetura Corporativa

A Arquitetura Corporativa procura dar respostas a essas perguntas. Na verdade, não se trata de um conceito especialmente complexo. Ao contrário, conceitualmente é bastante simples.

O dono de uma casa precisa ter as plantas da Arquitetura de sua casa disponíveis e atualizadas para poder fazer reformas sem “furar canos”, “tomar choques” ou, o que é pior, atingir um pilar estrutural ao derrubar uma parede.

Os executivos de uma empresa, da mesma forma, precisam de um conjunto de “plantas” que descreva a empresa para que possam empreender “reformas” sabendo antecipadamente o que deve ser feito e os custos e riscos envolvidos.

Infelizmente, essas “plantas” da organização normalmente não estão disponíveis. Pior ainda, “reformar” a empresa é uma necessidade muito mais freqüente do que reformar uma casa, e a empresa típica está sempre com algum tipo de “reforma” em curso, seja para atender mudanças na estratégia, na legislação ou mesmo de necessidades puramente operacionais. Essas “reformas” incluem mudanças em metas, nos processos de negócio, nas estruturas organizacionais, em sistemas de informação e na infra-estrutura física da empresa (reformas stricto sensu).

A Arquitetura Corporativa se propõe desenhar e manter disponíveis e atualizadas essas plantas, de modo que o time executivo possa tomar decisões baseadas em informação consistente, sendo capaz de avaliar custos, prazos, riscos e outros tipos de impactos ao empreender mudanças na estratégia, por exemplo.

A Arquitetura Corporativa nada mais é, portanto, do que um conjunto de modelos descritivos da organização (“plantas”) armazenados em um repositório centralizado, acompanhado de estruturas organizacionais e processos que garantam que esta informação se mantém sempre atualizada e relevante.

Nos próximos artigos, detalharemos diversos aspectos relacionados com a Arquitetura Corporativa, como as diferentes formas em que a informação pode ser armazenada, como iniciar um projeto para implantação de Arquitetura Corporativa, sua relação com a Governança Corporativa e a Governança de TI, entre outros assuntos.