Todo mundo está preocupado com a LGPD, mas vejo pouca gente enxergando a sua relação com a Arquitetura Corporativa da empresa. Assim como a LGPD, a Arquitetura é um assunto “transversal”, afeta a empresa inteira e exige Visão Holística.

A cada 2 ou 3 anos, “eventos” como a LGPD exigem grandes esforços de mapeamento interno das empresas (estruturas, processos, dados, sistemas de informação etc.) 

E não são só eventos “legislativos”. Novos modelos e ideias de negócios, concorrentes, mudanças estratégicas e novas tecnologias são outros exemplos de “eventos” que levam as empresas a fazerem grandes esforços através de “mutirões” de levantamento de informações que custam uma fortuna, são mais ou menos bem feitos (em geral, “menos”) e que, depois da “data do evento”, são jogados no lixo. Toda informação levantada é arquivada, fica desatualizada em poucos meses e ninguém mais usa ou mesmo lembra de sua existência. 

Ou seja, esse levantamento é feito de forma mais ou menos aleatória, e o resultado é perdido logo depois do “evento”. Aí, dali a 2 anos, um novo “evento” exige novo levantamento e nada do que foi feito antes se aproveita. E o ciclo recomeça…

A prática de Arquitetura Corporativa dá estrutura e consistência a esse levantamento, e não permite que essa informação se perca em pouco tempo. Além disso, a Arquitetura – por prover um “banco de dados” permanente sobre como a empresa funciona – habilita os gestores a fazerem análises de impacto e risco no momento de decisões gerenciais (para além do aspecto legal).

O que é Arquitetura Corporativa

Para começar, é importante dizer o que é Arquitetura Corporativa não é.

Existe muita confusão a respeito. Embora, por motivos históricos, o assunto tenha surgido dentro da área de Tecnologia da Informação (TI), existe uma tendência mundial a entender que o assunto é estratégico está e está muito mais ligado ao negócio do que à tecnologia. Tem relacionamento direto com o Planejamento Estratégico, Governança Corporativa, Auditoria, Compliance, Riscos, Gestão dos Portfólios de Ativos e Projetos, enfim, tudo o que existe dentro da organização.

Arquitetura Corporativa é uma prática que serve para mapear internamente a organização. Isso gera um Repositório de Arquitetura que é como um “banco de dados” que mostra todos os elementos da organização e como eles estão relacionados entre si.

O que diferencia um Repositório de Arquitetura de outras documentações internas, tais como organograma, cadeias de valor e mapas de processo é que este repositório inclui tudo isso e muito mais e, mais importante, mostra como as coisas estão ligadas. Isso se chama rastreabilidade. Esta rastreabilidade vai desde a Estratégia (como por exemplo as metas estratégicas documentados no Balanced Scorecard da empresa) até a infraestrutura, seja de tecnologia da informação, seja a infraestrutura física (prédios, depósitos, escritórios, centro de distribuição etc.) Entre esses dois extremos, temos o mapeamento dos processos de negócio, organograma, o catálogo de produtos e serviços que a empresa oferece ao mercado, sua geografia, seus sistemas de informação, seus bancos de dados e principalmente as competências dos colaboradores que são necessárias para executar os processos da empresa.

Figura 1: Conteúdo sugerido para o Repositório de Arquitetura

‌A existência deste Repositório, que é um verdadeiro “mapa” ou banco de dados de como empresa está estruturada e funciona, permite que os gestores obtenham respostas rápidas e confiáveis a perguntas relacionadas com análises de impacto de risco. Perguntas tais como:

  • Para cumprirmos esta nova legislação (como a LGPD), o que devemos mudar na nossa estratégia, processos, estrutura organizacional, sistemas de informação e bancos de dados? Qual o impacto dessas mudanças na nossa infraestrutura de TI? De quais novos profissionais e competências vamos precisar?
  • Se mudarmos a nossa Estratégia, qual o impacto em nossos processos, sistemas estruturas etc.?
  • Se fecharmos este departamento, ou fundirmos esses dois outros, qual o impacto em nossos processos de produtos sistemas etc.?
  • Se mudarmos os nossos sistemas de informação por exemplo implantando um ERP, qual o impacto em nossos processos, estratégia, estrutura?
  • Se quisermos descontinuar um produto, qual o impacto nos processos, estratégia e estrutura, sistemas e dados?
  • Se quisermos mudar a sede da empresa de uma cidade para outra, ou criar um novo escritório, ou juntarmos vários escritórios em um só, ou mudar um data center de cidade, quais os impactos no organograma, processo, sistemas etc.?
  • Se o servidor X425 cair, qual o impacto em nossa Estratégia?

Essa última pergunta exemplifica a análise de riscos que a Arquitetura permite. A maioria das empresas é absolutamente incapaz de responder a perguntas desse tipo.

Suponha que faz parte da Estratégia da empresa melhorar a sua imagem e relacionamento com os clientes. Se cair o servidor onde roda o CRM, o processo de atendimento ao cliente para e, quando cliente liga para o SAC, ouve a adorável resposta “O senhor pode estar ligando novamente mais tarde porque o sistema está fora do ar?

O mesmo exemplo pode ser visto no sentido inverso. Se definirmos como nossa estratégia melhorar nosso relacionamento com os clientes, que modificações precisamos fazer na empresa como um todo? Pode haver necessidade de mudanças no organograma, como por exemplo a criação de uma área de Ouvidoria. Se eu criar uma Ouvidoria, vou precisar de processos e sistemas para dar apoio a ela, e também vou precisar criar um novo papel, o de Ouvidor, que precisará de competências específicas que talvez não tenhamos. Pode ser necessário criar escritórios físicos para atender os clientes. Pode ser necessário implantar um CRM.

Ou seja, melhorar o relacionamento com o cliente como estratégia implica em mexer no organograma, nos papéis e competências dos colaboradores, nos processos de negócio, nos sistemas de informação e na infraestrutura de TI e física.

Sem a existência de um Repositório de Arquitetura, é praticamente impossível responder a essas perguntas sem grande esforço de levantamento de informação. O que as empresas fazem é repetir mutirões de levantamento de informação quando essas perguntas são suficientemente importantes e, no outro extremo, não fazer levantamento nenhum, tomar decisões “no chute” e rezar para não dar nada muito errado.

Com um repositório de arquitetura essas perguntas podem ser respondidas em minutos, pelo menos em termos de ordem de grandeza ou “tamanho da encrenca”. Podem ser necessários estudos mais aprofundados, mas, mesmo assim, esses estudos serão muito mais rápidos e baratos e não vão acontecer de forma aleatória: sabemos quais as informações sobre as quais precisamos de mais detalhes. Só isso já justifica a existência da prática de Arquitetura na empresa (ROI!).

Esta é a razão pela qual muitas empresas recorrem à Arquitetura Corporativa não só em momentos de mudança legislativa, mas também de Fusões e Aquisições, implantação de grandes sistemas como ERP e CRM, criação de Centros de Serviços Compartilhados (CSCs) e outras mudanças de grande porte.

Mas é importante aqui desfazer um mito. Arquitetura não é só para “empresa grande”. Ela é útil, necessária e factível para empresas de qualquer porte, desde que exista a maturidade necessária no time de gestão da empresa.

Mas quem é que estrutura e mantém este Repositório de Arquitetura? Quase sempre uma Área de Arquitetura. Vamos falar um pouco sobre ela.

A Área de Arquitetura

Como o próprio nome diz, Arquitetura Corporativa é, bem, “corporativa”, ou seja, transversal, afetando a organização como um todo. Isso quer dizer que, embora possa existir uma área de arquitetura na empresa, ela não é a única responsável pela prática. Arquitetura Corporativa é responsabilidade de todo mundo na empresa, especialmente da Alta Administração.

Em tese, em termos de organograma, uma área de Arquitetura Corporativa deveria estar situada como “staff” da Diretoria, juntamente com a área de Planejamento Estratégico. Em algumas empresas, os dois papéis são cumpridos pela mesma área.

Uma área de arquitetura tem que funcionar de forma similar a uma área de RH. É uma área de apoio, facilitação. Uma consultoria interna. Ensina e ajuda as outras áreas em seu trabalho. A área de RH, chamada hoje quase sempre de Gestão de Pessoas, não é quem faz no dia a dia, efetivamente, a gestão dos colaboradores da empresa. Quem faz isso é cada gestor, cada um em sua área, com apoio e orientação do RH e seguindo suas políticas e procedimentos. Com arquitetura tem que acontecer a mesma coisa.

Arquitetura e LGPD

A LGPD é uma lei. Não é opcional. Diante dela, as empresas podem tomar duas decisões opostas.

A primeira e mais inteligente é aproveitar a oportunidade para estruturar uma prática de Arquitetura e usar as informações levantadas para a LGPD como semente para seu Repositório de Arquitetura. Mantendo este repositório atualizado, será muito mais fácil, rápido e barato levantar informações para modificações futuras, sejam elas de legislação, sejam de Tecnologia ou advindas de qualquer outro tipo de motivação. É o que farão as empresas mais espertas, “antenadas” e maduras. É o que estão fazendo as grandes multinacionais e algumas empresas brasileiras mais maduras, como as do setor financeiro, muitas das quais já tem uma prática de Arquitetura funcionando.

A outra opção é organizar um “mutirão” (com nome bonitos como “task-force”, “war-room” e similares) para levantar os dados e modificações necessárias para cumprir a lei e, depois, engavetar os resultados desse levantamento e jogar no lixo todo o investimento feito.

Minha previsão, infelizmente, com base em minha experiência, é que a maioria das empresas – inclusive muitas das grandes – farão uma implantação “meia-boca” da LGPD e perderão tudo o que foi levantado logo depois. Por falta de Arquitetura.

Para maiores informações sobre Arquitetura e Visão Holística das Organizações, não deixe de assistir aos webinars gravados e organizados na playlist “O que é um Negócio” no Youtube. Aproveite para se inscrever no canal!

 

O ano está terminando está na hora de começar a pensar no Planejamento Estratégico para o ano que vem.

O problema é que, como já defendi em outras ocasiões, o planejamento estratégico tradicional não funciona. Não vou repetir aqui os argumentos em detalhes, mas o resumo da ópera é que o planejamento estratégico tradicional é rígido, ignora a Cultura Organizacional e deixa de lado a Arquitetura Corporativa de Negócios da organização. Em outras palavras, o planejamento estratégico tradicional não provê uma Visão Holística para o negócio.

Planejamento Estratégico Holístico?

Dizer que o planejamento estratégico precisa ser holístico pode parecer absurdo, por redundante. Todo planejamento estratégico não é holístico, afinal de contas?

Infelizmente, não! Ao deixar de fora cultura e arquitetura, o cenário está pronto para que, no momento do desdobramento das metas estratégicas para as áreas de negócio, aconteça aquilo que é uma das maiores “pestes” das empresas: o isolamento em Silos, o Feudalismo Organizacional.

Cansamos de ver empresas com lindos planejamentos estratégicos – feitos com apoio de grandes empresas de consultoria – que, assim que desdobrados, perdem seu caráter sistêmico e holístico: cada departamento assume as suas metas estratégicas e ignora completamente as metas estratégicas no departamento vizinho. Também vemos metas estratégicas que batem de frente com a cultura da empresa e outras que estão completamente fora da realidade por não levar em conta a arquitetura da organização.

Mas essas observações críticas eu já fiz em diversas outras ocasiões.  Neste artigo, eu gostaria de propor algo mais positivo: um pequeno guia de Quatro Passos para que você faça o Planejamento Estratégico de sua empresa para o ano que vem de tal forma que a estratégia da empresa esteja sempre dentro do contexto da Visão Holística. Vamos a eles.

‌Passo 1: Defina sua Visão Estratégica Holística

O primeiro passo consiste em definir a Visão Estratégica Holística da organização, que consiste na definição (ou revisão) do Propósito e da Missão da empresa e de sua Visão De Negócio de longo prazo.

O Propósito da empresa responde à pergunta “Por que é que nós existimos?”  É a razão de sua existência. 

A Missão por outro lado, responde à pergunta “O que nós fazemos e para quem?”, incluindo, possivelmente, os benefícios que a organização provê a seus clientes e à sociedade.

Por sua vez, a Visão descreve “que cara” a empresa quer ter no futuro. A Visão tem que ser suficientemente específica e detalhada para prover um Norte para todos os colaboradores, especialmente o time de liderança. Nos momentos de dúvida e crise, a Visão funciona como a direção a ser perseguida, ajudando na tomada de decisões difíceis. Por outro lado, como vivemos em um mundo de transformações cada vez mais rápidas, a Visão tem que ser suficientemente flexível para permitir que a organização se adapte às mudanças que necessariamente encontrará pelo caminho.

Algumas empresas combinam Propósito e Missão em uma única declaração, e está tudo bem, desde que tanto as perguntas “por quê” e “o quê e para quem” estejam respondidas.

Uma boa discussão mais aprofundada sobre esses conceitos pode ser vista neste artigo e nesse outro.

Passo 2: Defina sua Cultura Intencional

Como já dissemos em outras ocasiões, toda empresa tem uma cultura organizacional. Esta cultura organizacional pode surgir ou emergir aleatoriamente ou pode (e deveria) ser uma Cultura Intencional. É função do time de liderança definir qual é a cultura organizacional que a empresa quer ter. Isto é a Cultura Intencional, ou seja, uma cultura que tem uma intenção por trás.

A Cultura Organizacional – que é o conjunto de crenças e valores compartilhados pelos membros da organização e que influenciam o seu comportamento – para que seja intencional, tem que passar evidentemente pela identificação e alinhamento das crenças e valores dos fundadores e do time de liderança da organização. E aqui temos uma atividade fundamental para o planejamento estratégico que rarissimamente é feita e que atrapalha muito na hora de obter um Planejamento Estratégico Holístico: o trabalho de autoconhecimento por parte dos fundadores e líderes da empresa e o esforço de alinhamento cultural. Embora existam técnicas bem estabelecidas para fazer isso, tais como a Análise de Crenças e Valores, essas técnicas raramente são usadas no contexto do planejamento estratégico.

Como a observação final, vale lembrar que, numa empresa onde as crenças e valores de seus líderes não estejam alinhadas, os riscos para o atingimento da Visão são enormes. Se os líderes acreditam e dão valor a coisas diferentes e muitas vezes contraditórias, como é que eles podem remar na mesma direção?

Passo 3: Defina sua Arquitetura de Negócio

 O terceiro passo é definir a Arquitetura da organização.

 Podemos falar em arquitetura externa e arquitetura interna.

Arquitetura externa diz respeito ao contexto organizacional dentro do qual a organização se encontra. É aqui que entram as técnicas tradicionais de planejamento estratégico tais como as Análises SWOT, PESTEL, Cinco Forças etc. Esse aspecto do planejamento estratégico é muito conhecido e não precisamos entrar em detalhes sobre ele agora. Infelizmente, na maioria dos casos que vemos, o que a empresa chama de “planejamento estratégico” se resume à aplicação destas técnicas seguida imediatamente da definição de metas e objetivos.

Já a arquitetura interna é aquela usualmente conhecida como Arquitetura Corporativa ou Arquitetura de Negócio.  Poderíamos dizer que a Arquitetura Corporativa é o autoconhecimento da empresa e é tão necessário quanto o autoconhecimento individual das pessoas físicas que são os líderes do negócio. Em outras palavras é o autoconhecimento da pessoa jurídica. Passa pela identificação em alto nível de todos os itens representados no quadro abaixo e da relação entre eles, tanto em sua situação atual quanto desejada, ou seja, baseada na Visão.

Embora eu já tenha discutido em maiores detalhes a questão da Arquitetura, neste artigo eu gostaria de chamar a atenção para uma “caixinha” específica: a das Competências Gerenciais.  

Como eu disse acima, é fundamental que exista alinhamento de propósito, crenças e valores entre os membros do time de liderança da organização. Por outro lado, é fundamental que haja uma diversidade de estilos de liderança entre esses mesmos membros. O modelo que eu uso em meus treinamentos e projetos de consultoria – no que diz respeito a esta necessária diversidade – é o da teoria Adizes, que prega que deve haver equilíbrio entre os quatro papéis ou perfis gerenciais representados pelas iniciais PAEI:  Produtor, Administrador, Empreendedor e Integrador. Esses quatro papéis sempre precisam estar presentes, embora a importância relativa entre eles varie conforme o momento do Ciclo de Vida em que a organização se encontra.

A razão pela qual eu quis destacar esse assunto aqui é porque a análise dos papéis PAEI é uma das atividades fundamentais que tem que ser feitas durante o planejamento estratégico. Identificar e endereçar os gaps no mix de estilos gerenciais do time de liderança é essencial para que o plano estratégico funcione. Ou seja, não é alguma coisa que pode ser deixada para depois.

Passo 4: Defina seus Objetivos, Metas e seu Roadmap Estratégico

O planejamento estratégico tradicional começava com a definição de objetivos e metas. Mais tarde veio o reconhecimento da necessidade também de estabelecer os aspectos de Visão, Missão e Propósito. Também se começou a discutir a questão dos Valores, mas muitas vezes sem perceber que os valores são apenas uma parte da Cultura Intencional.

Como vimos neste artigo, só agora, depois de ter definido Visão, Propósito, Missão, Cultura Intencional e de ter feito a análise do ambiente externo e da arquitetura interna da organização, só agora – repito – a empresa está pronta para definir seus objetivos e metas estratégicos. Mas nem isso basta. É necessário que esses objetivos e metas sejam associados a iniciativas, que se transformarão em projetos. O Portfólio de Programas e Projetos necessários para implementar a Estratégia de forma Holística, levando a empresa a cumprir o seu Propósito e Missão e atingir a sua Visão, precisa agora ser priorizado e jogado em uma linha de tempo: o famoso Roadmap Estratégico – quais são os projetos, quais são as dependências entre eles, e em que ordem serão executados.

Conclusão

Espero ter conseguido cumprir o meu objetivo com este artigo: mostrar que o Planejamento Estratégico Holístico vai muito além do planejamento estratégico tradicional ao incluir os conceitos de Cultura intencional e Arquitetura de Negócios e, com isso, garante que a visão do todo nunca se perca e que, portanto, mudanças de curso diante de obstáculos possam ser feitas de forma muito mais ágil é flexível.

Acredito que, sem a Visão Holística do Planejamento Estratégico, vamos continuar tendo o que tivemos nas últimas décadas: planos estratégicos que raramente são cumpridos.

 

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Já faz algum tempo que os métodos ágeis estão na moda. E com bom motivo. As ideias por trás deles são sólidas e vieram para ficar.

Mas, em muitos casos, a adoção de métodos ágeis não resolveu os problemas que se propunham a solucionar e ainda criaram problemas novos.

No auge de sua fama, criaram-se “igrejinhas” que iniciaram uma “Guerra Santa” entre Waterfall e Agilidade.

Essa guerra, na minha opinião, não faz sentido, porque ambos os lados estão parcialmente certos e apresentam argumentos sólidos para suas posições. A solução, como quase sempre, está em algum tipo de meio termo.

Mas, de qualquer forma, ambos os lados desta guerra sofrem com a falta de Visão Holística. Pode ser argumentado que a adoção em massa de métodos ágeis não só não resolveu, mas aprofundou o problema dos Silos de Informação que já existiam nos métodos mais antigos.

Histórico dos Métodos Ágeis

Os métodos ágeis surgiram no contexto do desenvolvimento de software e depois se expandiram para outras atividades dentro das empresas.

É bom lembrar que, no contexto do desenvolvimento de software, as ideias por trás dos métodos ágeis não podem de forma alguma serem consideradas novas. As discussões sobre o assunto se iniciaram na década de 1950. Meu primeiro contato pessoal com o assunto foi através do RAD (Rapid Application Development) e do “ciclo de vida espiral” de Barry Boehm (anos 80 e 90). Depois veio a moda do “desenvolvimento iterativo e incremental” e do “Unified Process“,  mais tarde o XP (Extreme Programming), o SCRUM, o PSP/TSP de Watts Humphrey e, finalmente, o “Manifesto Ágil” em 2001.

Em comum, todos esses métodos têm como características as seguintes ideias de fundo:  fazer “as coisas” de forma incremental, em ciclos curtos de tempo (normalmente fixos – Time Boxes), usando um time multidisciplinar que interage próxima e frequentemente com os usuários ou clientes das “coisas” que estão sendo criadas.

Coloco “coisas” entre aspas porque, no início, essas “coisas” eram exclusivamente software, mas, posteriormente, os sucessos alcançados levaram à expansão do conceito para outras áreas.  Hoje vemos Planejamento Estratégico Ágil, Desenvolvimento Ágil de Novos Produtos, Arquitetura Corporativa Ágil e até mesmo Gestão de Pessoas Ágil. O conceito, definitivamente, “pegou”.

Benefícios e Limitações dos Métodos Ágeis

De forma geral, os benefícios dos métodos ágeis são bem conhecidos: entregas mais rápidas e mais aderentes às necessidades dos clientes figuram entre as mais importantes. Há uma literatura imensa disponível na internet sobre esses benefícios e, portanto, não tenho intenção aqui de entrar em detalhes. 

Por outro lado, alguém importante no ecossistema de métodos ágeis (Scott Ambler talvez, mas não me recordo exatamente) disse alguma coisa como “métodos ágeis funcionam quando sua empresa tem um único software para ser desenvolvido”.  Pode parecer uma declaração bombástica e exagerada, mas não está muito longe da verdade, especialmente quando levamos em conta apenas a primeira geração de métodos ágeis. Esses métodos eram nada mais nada menos do que métodos de gestão de projetos e, portanto, aplicáveis individualmente a cada projeto, sem levar em conta a visão do todo, sistêmica, ou seja, aquilo que costumo chamar de Visão Holística.

Em um ambiente de muitos sistemas complexos e interligados, projetos ágeis tem grande dificuldade em prover a integração necessária e em reduzir ou impedir redundância e retrabalho.

Não demorou muito para que essas limitações fossem percebidas, especialmente quando os métodos ágeis começaram a ser usados em peso em grandes empresas.

Por conta disso, muitas soluções para essa questão foram propostas.

Soluções e suas Respectivas Limitações

Talvez a mais famosa dessas propostas de solução seja o SAFe (Scaled Agile Framework), embora existam muitas outras como o DAD (Disciplined Agile Delivery) – esse último do próprio Scott Ambler. Há algum tempo, fiz um webinar discutindo esses frameworks e sua aplicabilidade em relação a Arquitetura Corporativa de Negócio, especialmente diante da questão de se é possível ter uma Arquitetura Corporativa Ágil. Você pode rever essa discussão aqui.

Embora essas propostas ajudem a resolver várias das limitações dos métodos ágeis “puros”, elas ainda contam com as suas próprias limitações. Ou seja, não chegaram a uma Visão Holística completa por ainda estarem muito limitadas, por seu contexto histórico, a processos parciais dentro das empresas; em particular, à tecnologia da informação e o desenvolvimento de software.

Visão Holística: Agilidade com Contexto

A Visão Holística, como tenho defendido em vários artigos, parte da visão tripartite das organizações, ou seja,  da adoção da metáfora humana às empresas, vendo-as como um composto de Mente (Estratégia), Corpo (Arquitetura Corporativa de Negócio) e Alma (Propósito e Cultura Organizacional Intencional).

Embora o SAFe e outras propostas mais recentes toquem nos assuntos de arquitetura e cultura, eles ainda o fazem de maneira ambígua e superficial. Precisamos ir mais longe.

Para termos de verdade uma Visão Holística, Precisamos de colaboradores que sejam mais generalistas e tenham visão sistêmica e um conjunto de soft skills fundamental, do qual muito se fala, mas pouco se faz.

 Um possível caminho para atingirmos esse estado passa pelas seguintes etapas:

  1. Adoção de uma prática de Arquitetura Corporativa
  2. Adoção de práticas que levem a empresa a uma Cultura Intencional
  3. Modificação na forma atual de se fazer planejamento estratégico, passando a ver a Estratégia como algo inseparável da Arquitetura e da Cultura
  4. Desenvolvimento dos Soft Skills dos colaboradores

Já falei de alguns desses assuntos em artigos recentes (e nem tão recentes) que estão listados no link acima para quem quiser se aprofundar. Mas voltarei a eles todos entrando em mais detalhes sobre cada uma dessas etapas em artigos futuros.

Por enquanto, recomendo a minha playlist no YouTube “O que é um negócio” onde esses assuntos são tratados em mais detalhe.

Mas o resumo da Ópera é o seguinte: métodos ágeis são ótimos, mas, tomados isoladamente, são “sub-ótimos”, ou seja, soluções parciais que, se não tomarmos cuidado, produzem mais problemas do que aqueles que estávamos tentando resolver.

 

Transformação Digital é uma das buzzwords do momento. Todo mundo quer fazer ou diz que está fazendo.

No entanto, pesquisas mostram que no máximo um terço dos esforços de transformação digital estão bem encaminhados. Pessoalmente, acho esse número exagerado. Pela minha experiência, acredito que o número de projetos de transformação digital que darão certo é bem menor do que 33%.

Isso acontece por muitos motivos e gostaria de falar de alguns deles agora.

O “motivo zero”, que nem vou colocar na conta, é que cada pessoa falando de “transformação digital” está normalmente se referido a uma coisa diferente.

Há quem pense que transformação digital é comprar a tecnologia mais recente e brilhante. Há quem confunda transformação digital com automação do back office. E ainda existem gestores que pensam que transformação digital é algo que possa ser feito separadamente em cada departamento ou área da empresa.

De forma geral, o que parece estar faltando na maioria dos casos é boa e velha Visão Holística da organização.

Quem acompanha o meu trabalho sabe que sempre insisto neste assunto, e que, para mim, a Visão Holística é composta de três partes coordenadas, a Estratégia, a Arquitetura Corporativa de Negócio, e a Cultura Organizacional da empresa.

Usando esse referencial, vamos ver em seguida como é que a falta de alinhamento com cada um desses três itens impede projetos de transformação digital de darem certo. Depois disso, falaremos de dois itens adicionais: as deficiências em soft skills nas equipes das empresas e, por último, o fato surpreendente e paradoxal de que algumas das empresas que dizem estar fazendo transformação digital na verdade já o fizeram.

1. Desalinhamento com a Estratégia

A transformação digital diz respeito à utilização das tecnologias digitais para a transformação do negócio como um todo. Então, é evidente que a ideia de transformação digital não pode ser apenas um item no Plano Estratégico, mas sim uma espécie de “pano de fundo” ou premissa sobre a qual a estratégia da empresa como um todo é desenhada.

É fácil identificar estes desalinhamentos: executivos da alta administração (C-Level) não engajados nem comprometidos, metas estratégicas que ignoram completamente a ideia de transformação digital, falta de objetivos e iniciativas de inovação e assim por diante.

Talvez o indicador mais marcante desta falha seja a ideia de que “a transformação digital é responsabilidade do CIO”.

Enquanto a transformação digital não for vista como atribuição e responsabilidade dos níveis mais altos administração da empresa (do time de liderança como um todo, não apenas do CIO) ela simplesmente não vai acontecer.

2. Falta de atenção à Arquitetura Corporativa de Negócio

Nesta categoria caem as iniciativas de transformação digital isoladas, vistas como responsabilidade de áreas ou departamentos separados. Normalmente, isto é consequência do problema identificado no item anterior.

Mas mesmo em organizações onde existe comprometimento pelo C-Level, vemos os executivos chefes de cada área tentando fazer a tal transformação digital isoladamente dos demais. Isso leva a redundâncias, retrabalho, falta de integração e às enormes dificuldades em termos de tempos e custos quando se quer fazer qualquer mudança.

Na falta da visão sistêmica, integrada, holística que a arquitetura corporativa de negócio dá, em vez de transformação digital vemos uma série de “transformações digitais” parciais, que não falam umas com as outras.

3. Desalinhamento com a Cultura Organizacional

O relacionamento entre cultura organizacional e transformação digital é complexo e de duas mãos.

Por um lado, não adianta tentar transformar digitalmente a organização numa direção incompatível com a sua cultura, ou seja, seus valores e crenças básicos compartilhados. Se, por exemplo, um dos valores da empresa é o atendimento pessoal (e não apenas personalizado) a cada cliente, e a empresa pretende preservar este valor, todo esforço de transformação digital tem que levar isso em conta, ou seja, novas formas, mais digitais, de relacionamento com o cliente não poderão substituir completamente relacionamento individual e pessoal.

Por outro lado, a transformação digital pode exigir mudanças na cultura da organização. Isso é sempre difícil, tanto por razões políticas quanto pela velha “resistência à mudança”, que ocorre em qualquer processo de transformação, digital ou não.

Se, por exemplo, a empresa não tem uma cultura de excelência no atendimento ao cliente, é improvável que a transformação digital funcione, uma vez que um dos seus pontos principais é justamente usar as tecnologias digitais para atender melhor a estes mesmos clientes.

Levar em conta a cultura organizacional nos processos de transformação digital significa, portanto, reavaliar a cultura tal como ela é hoje, decidir o que quer ser mantido e o que precisa ser mudado, e planejar e executar estas mudanças. No caso dos aspectos da cultura que merecem ser mantidos, isto tem que influenciar o desenho das iniciativas de transformação digital.

4. Falta de Soft Skills

Embora este item esteja relacionado ao anterior, por sua importância ele merece aqui um tratamento à parte.

Sem a aquisição dos chamados soft skills por parte dos colaboradores da empresa, qualquer esforço de transformação digital será muito difícil.  Competências tais como visão sistêmica, negociação, trabalho em equipe, comunicação (e assim por diante) são fundamentais para superar os obstáculos mencionados nos itens anteriores.

Infelizmente, a imensa maioria das empresas, com ou sem projetos de transformação digital, ignoram solenemente esta questão. Seus programas de treinamento e capacitação de funcionários não incluem esses itens, essas competências mal aparecem nos processos de definição de metas e avaliação de desempenho e nos demais processos de Gestão de Pessoas.

Poucas empresas pensam em fazer transformação digital sem a participação da área de TI (embora muitas achem que a responsabilidade é exclusivamente da área de TI, como vimos mais acima). Infelizmente, muitas tentam fazer isso sem o engajamento da área de Gestão de Pessoas.  Não vai dar certo.

5. Você já fez

Este último item tem relação com aspecto de buzzword da expressão “transformação digital”.

Como todo mundo quer aparecer bem na foto dizendo que está fazendo “transformação digital”, acabamos por ver a situação levemente bizarra de empresas abraçando a expressão que, na realidade, já fizeram ou estão fazendo transformação digital há décadas. Refiro-me, por exemplo, às empresas do setor financeiro, especialmente os grandes bancos.

Poderíamos simplificar a definição de “transformação digital” dizendo que um de seus aspectos principais trata de disponibilizar a tecnologia para os clientes finais da empresa, e não apenas para os próprios funcionários, que é o caso da automação de processos tradicional. “O Usuário é o Cliente!”  é o lema vinculado a esta ideia.  Ora, é o que as grandes empresas que usam a tecnologia para se relacionar diretamente com os clientes, como os bancos, vêm fazendo há décadas.

Claro que isso não significa que tudo é perfeito, lindo e maravilhoso. Transformação digital é um processo contínuo, não acaba nunca. Mas tem muita gente que já começou faz décadas. E é levemente engraçado ver essas empresas anunciando que estão “fazendo transformação digital” como se tivessem embarcando nisto agora.

Conclusão

O resumo da ópera é que, se as empresas querem que transformação digital passe do nível de buzzword para a realidade, elas terão que garantir que todo o time de alta administração tenha a visão holística necessária, que ela não seja apenas mais um item mas sim o pano de fundo de toda a estratégia da empresa, que existam processos de arquitetura corporativa de negócio que garantam a implementação de novas tecnologias de maneira ordenada e integrada, e que os aspectos culturais e políticos sejam levados em conta de forma muito mais profunda do que normalmente são.

Para saber mais sobre Visão Holística, veja a minha playlist “O que é um Negócio” no Youtube.