O fracasso de um projeto raramente se deve a problemas técnicos. A popularização de modelos e referências como o Guia PMBOK®, o CMMI® e o RUP® foram fundamentais para disseminar as melhores práticas de gestão de projetos, minimizando as ocorrências de erros grosseiros na sua condução.
Entretanto, referências como o Guia PMBOK® concentram-se fortemente nos aspectos técnicos dos projetos. Os aspectos humanos, sociais e comportamentais do projeto não recebem ênfase proporcional à criticidade que têm para o sucesso do projeto. Esses aspectos são muitas vezes chamados de aspectos “soft”, o que não deixa de ser irônico, já que são quase sempre os mais difíceis de lidar. Podemos imaginar, porém, que o “soft” refere-se ao fato de que esses aspectos são mais ambíguos, sem contornos muito bem definidos, em contraste aos aspectos “hard” que, sendo mais técnicos, possuem fronteiras bem delimitadas e, com freqüência apresentam “resposta certa”.
Os dois aspectos “soft” mais importantes em qualquer projeto são: Poder e Cultura.
Embora existam inúmeras definições para esses termos, podemos dizer que Poder, neste contexto, diz respeito à capacidade que alguém possui de fazer com que outras pessoas atuem da forma como ele, o detentor do Poder, deseja. Cultura, por outro lado, pode ser definida como o conjunto de crenças e valores compartilhados pelos membros de um grupo (por exemplo, os colaboradores da organização) que orientam o pensamento e a ação dos mesmos.
A Cultura Organizacional tem profunda relação com os projetos conduzidos na organização. Por um lado, a cultura impõe limites aos projetos. Alguns projetos podem ter seu escopo severamente restringido pela cultura e, no limite, serem pura e simplesmente inviáveis. Projetos de Gestão de Conhecimento, por exemplo, em que o compartilhamento do conhecimento é fundamental, tem baixíssima probabilidade de vingar em ambientes com cultura altamente competitiva e estrutura autoritária. As pessoas simplesmente não vêem por que deveriam compartilhar o conhecimento que lhes dá vantagens competitivas diante dos colegas ou poder de negociação diante da chefia.
Por outro lado, todo projeto, a não ser os mais triviais, causa impacto na cultura. Isso porque os projetos tipicamente levam a mudanças na forma de trabalho das pessoas, o que basta para modificar aspectos da cultura. Em certos casos, o objetivo do projeto é justamente provocar a mudança cultural, como é o caso na maioria dos projetos de Gestão de Pessoas. Nestes casos, o que se procura é que a mudança cultural leve a mudanças no comportamento das pessoas da organização.
Além da Cultura, é evidente que a questão do Poder também está muito presente. A maioria dos projetos envolve mudanças em processos de trabalho e no acesso à informação. Assim, cada projeto tem potencialmente dentro de si interesses conflitantes. A informação que se torna disponível para um grupo maior de pessoas transfere poder do grupo que originalmente a detinha, por exemplo.
De modo geral, se tomarmos como referência o Guia PMBOK®, veremos que esses assuntos são tratados muito superficialmente, sendo que as maiores referências se concentram quando se fala em análise de stakeholders na área de conhecimento de Gestão de Riscos, com algumas referências adicionais nas áreas de Comunicação e Gestão de Pessoas. Essas poucas referências podem, erradamente, dar a impressão de que são assuntos pouco importantes. No mundo real, há situações políticas que tornam um projeto sem nenhuma possibilidade de sucesso, havendo mesmo casos em que projetos são criados com o objetivo específico (ainda que velado) de dar errado (como exercício, o leitor pode imaginar situações em que isso pode acontecer). Numa situação dessas, não há PMP que salve o projeto, por mais competente que seja na aplicação das técnicas de gestão de projetos que aprendeu.
É claro que todo gerente de projetos experiente e bem-sucedido sabe de tudo isso. O problema é que raramente essas questões são tratadas de forma sistemática. As metodologias de gestão de projetos tipicamente não vão além de uma análise de stakeholders superficial no momento do planejamento. Assim, o sucesso dos projetos acaba dependendo mais das habilidades políticas e sociais do gerente do projeto do que da aplicação das “melhores práticas” técnicas. Além disso, gerentes de projetos jovens e com pouca experiência podem levar anos “tomando na cabeça” até aprenderem (isso se não forem antes expelidos da profissão…)
É, portanto, necessária uma abordagem explícita e sistemática para essas questões. As metodologias de gestão de projetos (e os modelos e guias) precisam ser aprimorados nesse sentido. Mas, mais importante ainda, é fundamental que os novos (e também os não tão novos…) gerentes de projeto sejam capacitados a lidar com esses assuntos. Um gerente de projetos em cuja formação não estejam presentes os aspectos de Sociologia e Ciência Política relevantes à situação possui uma grave deficiência em sua capacitação que poderá ser, inclusive, o diferencial entre os gerentes de sucesso e os demais. Até porque o domínio de técnicas envolve conhecimentos e habilidades que, muito em breve, serão commodities.