Todo mundo está preocupado com a LGPD, mas vejo pouca gente enxergando a sua relação com a Arquitetura Corporativa da empresa. Assim como a LGPD, a Arquitetura é um assunto “transversal”, afeta a empresa inteira e exige Visão Holística.
A cada 2 ou 3 anos, “eventos” como a LGPD exigem grandes esforços de mapeamento interno das empresas (estruturas, processos, dados, sistemas de informação etc.)
E não são só eventos “legislativos”. Novos modelos e ideias de negócios, concorrentes, mudanças estratégicas e novas tecnologias são outros exemplos de “eventos” que levam as empresas a fazerem grandes esforços através de “mutirões” de levantamento de informações que custam uma fortuna, são mais ou menos bem feitos (em geral, “menos”) e que, depois da “data do evento”, são jogados no lixo. Toda informação levantada é arquivada, fica desatualizada em poucos meses e ninguém mais usa ou mesmo lembra de sua existência.
Ou seja, esse levantamento é feito de forma mais ou menos aleatória, e o resultado é perdido logo depois do “evento”. Aí, dali a 2 anos, um novo “evento” exige novo levantamento e nada do que foi feito antes se aproveita. E o ciclo recomeça…
A prática de Arquitetura Corporativa dá estrutura e consistência a esse levantamento, e não permite que essa informação se perca em pouco tempo. Além disso, a Arquitetura – por prover um “banco de dados” permanente sobre como a empresa funciona – habilita os gestores a fazerem análises de impacto e risco no momento de decisões gerenciais (para além do aspecto legal).
O que é Arquitetura Corporativa
Para começar, é importante dizer o que é Arquitetura Corporativa não é.
Existe muita confusão a respeito. Embora, por motivos históricos, o assunto tenha surgido dentro da área de Tecnologia da Informação (TI), existe uma tendência mundial a entender que o assunto é estratégico está e está muito mais ligado ao negócio do que à tecnologia. Tem relacionamento direto com o Planejamento Estratégico, Governança Corporativa, Auditoria, Compliance, Riscos, Gestão dos Portfólios de Ativos e Projetos, enfim, tudo o que existe dentro da organização.
Arquitetura Corporativa é uma prática que serve para mapear internamente a organização. Isso gera um Repositório de Arquitetura que é como um “banco de dados” que mostra todos os elementos da organização e como eles estão relacionados entre si.
O que diferencia um Repositório de Arquitetura de outras documentações internas, tais como organograma, cadeias de valor e mapas de processo é que este repositório inclui tudo isso e muito mais e, mais importante, mostra como as coisas estão ligadas. Isso se chama rastreabilidade. Esta rastreabilidade vai desde a Estratégia (como por exemplo as metas estratégicas documentados no Balanced Scorecard da empresa) até a infraestrutura, seja de tecnologia da informação, seja a infraestrutura física (prédios, depósitos, escritórios, centro de distribuição etc.) Entre esses dois extremos, temos o mapeamento dos processos de negócio, organograma, o catálogo de produtos e serviços que a empresa oferece ao mercado, sua geografia, seus sistemas de informação, seus bancos de dados e principalmente as competências dos colaboradores que são necessárias para executar os processos da empresa.
Figura 1: Conteúdo sugerido para o Repositório de Arquitetura
A existência deste Repositório, que é um verdadeiro “mapa” ou banco de dados de como empresa está estruturada e funciona, permite que os gestores obtenham respostas rápidas e confiáveis a perguntas relacionadas com análises de impacto de risco. Perguntas tais como:
- Para cumprirmos esta nova legislação (como a LGPD), o que devemos mudar na nossa estratégia, processos, estrutura organizacional, sistemas de informação e bancos de dados? Qual o impacto dessas mudanças na nossa infraestrutura de TI? De quais novos profissionais e competências vamos precisar?
- Se mudarmos a nossa Estratégia, qual o impacto em nossos processos, sistemas estruturas etc.?
- Se fecharmos este departamento, ou fundirmos esses dois outros, qual o impacto em nossos processos de produtos sistemas etc.?
- Se mudarmos os nossos sistemas de informação por exemplo implantando um ERP, qual o impacto em nossos processos, estratégia, estrutura?
- Se quisermos descontinuar um produto, qual o impacto nos processos, estratégia e estrutura, sistemas e dados?
- Se quisermos mudar a sede da empresa de uma cidade para outra, ou criar um novo escritório, ou juntarmos vários escritórios em um só, ou mudar um data center de cidade, quais os impactos no organograma, processo, sistemas etc.?
- Se o servidor X425 cair, qual o impacto em nossa Estratégia?
Essa última pergunta exemplifica a análise de riscos que a Arquitetura permite. A maioria das empresas é absolutamente incapaz de responder a perguntas desse tipo.
Suponha que faz parte da Estratégia da empresa melhorar a sua imagem e relacionamento com os clientes. Se cair o servidor onde roda o CRM, o processo de atendimento ao cliente para e, quando cliente liga para o SAC, ouve a adorável resposta “O senhor pode estar ligando novamente mais tarde porque o sistema está fora do ar?”
O mesmo exemplo pode ser visto no sentido inverso. Se definirmos como nossa estratégia melhorar nosso relacionamento com os clientes, que modificações precisamos fazer na empresa como um todo? Pode haver necessidade de mudanças no organograma, como por exemplo a criação de uma área de Ouvidoria. Se eu criar uma Ouvidoria, vou precisar de processos e sistemas para dar apoio a ela, e também vou precisar criar um novo papel, o de Ouvidor, que precisará de competências específicas que talvez não tenhamos. Pode ser necessário criar escritórios físicos para atender os clientes. Pode ser necessário implantar um CRM.
Ou seja, melhorar o relacionamento com o cliente como estratégia implica em mexer no organograma, nos papéis e competências dos colaboradores, nos processos de negócio, nos sistemas de informação e na infraestrutura de TI e física.
Sem a existência de um Repositório de Arquitetura, é praticamente impossível responder a essas perguntas sem grande esforço de levantamento de informação. O que as empresas fazem é repetir mutirões de levantamento de informação quando essas perguntas são suficientemente importantes e, no outro extremo, não fazer levantamento nenhum, tomar decisões “no chute” e rezar para não dar nada muito errado.
Com um repositório de arquitetura essas perguntas podem ser respondidas em minutos, pelo menos em termos de ordem de grandeza ou “tamanho da encrenca”. Podem ser necessários estudos mais aprofundados, mas, mesmo assim, esses estudos serão muito mais rápidos e baratos e não vão acontecer de forma aleatória: sabemos quais as informações sobre as quais precisamos de mais detalhes. Só isso já justifica a existência da prática de Arquitetura na empresa (ROI!).
Esta é a razão pela qual muitas empresas recorrem à Arquitetura Corporativa não só em momentos de mudança legislativa, mas também de Fusões e Aquisições, implantação de grandes sistemas como ERP e CRM, criação de Centros de Serviços Compartilhados (CSCs) e outras mudanças de grande porte.
Mas é importante aqui desfazer um mito. Arquitetura não é só para “empresa grande”. Ela é útil, necessária e factível para empresas de qualquer porte, desde que exista a maturidade necessária no time de gestão da empresa.
Mas quem é que estrutura e mantém este Repositório de Arquitetura? Quase sempre uma Área de Arquitetura. Vamos falar um pouco sobre ela.
A Área de Arquitetura
Como o próprio nome diz, Arquitetura Corporativa é, bem, “corporativa”, ou seja, transversal, afetando a organização como um todo. Isso quer dizer que, embora possa existir uma área de arquitetura na empresa, ela não é a única responsável pela prática. Arquitetura Corporativa é responsabilidade de todo mundo na empresa, especialmente da Alta Administração.
Em tese, em termos de organograma, uma área de Arquitetura Corporativa deveria estar situada como “staff” da Diretoria, juntamente com a área de Planejamento Estratégico. Em algumas empresas, os dois papéis são cumpridos pela mesma área.
Uma área de arquitetura tem que funcionar de forma similar a uma área de RH. É uma área de apoio, facilitação. Uma consultoria interna. Ensina e ajuda as outras áreas em seu trabalho. A área de RH, chamada hoje quase sempre de Gestão de Pessoas, não é quem faz no dia a dia, efetivamente, a gestão dos colaboradores da empresa. Quem faz isso é cada gestor, cada um em sua área, com apoio e orientação do RH e seguindo suas políticas e procedimentos. Com arquitetura tem que acontecer a mesma coisa.
Arquitetura e LGPD
A LGPD é uma lei. Não é opcional. Diante dela, as empresas podem tomar duas decisões opostas.
A primeira e mais inteligente é aproveitar a oportunidade para estruturar uma prática de Arquitetura e usar as informações levantadas para a LGPD como semente para seu Repositório de Arquitetura. Mantendo este repositório atualizado, será muito mais fácil, rápido e barato levantar informações para modificações futuras, sejam elas de legislação, sejam de Tecnologia ou advindas de qualquer outro tipo de motivação. É o que farão as empresas mais espertas, “antenadas” e maduras. É o que estão fazendo as grandes multinacionais e algumas empresas brasileiras mais maduras, como as do setor financeiro, muitas das quais já tem uma prática de Arquitetura funcionando.
A outra opção é organizar um “mutirão” (com nome bonitos como “task-force”, “war-room” e similares) para levantar os dados e modificações necessárias para cumprir a lei e, depois, engavetar os resultados desse levantamento e jogar no lixo todo o investimento feito.
Minha previsão, infelizmente, com base em minha experiência, é que a maioria das empresas – inclusive muitas das grandes – farão uma implantação “meia-boca” da LGPD e perderão tudo o que foi levantado logo depois. Por falta de Arquitetura.
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