O ano está terminando está na hora de começar a pensar no Planejamento Estratégico para o ano que vem.

O problema é que, como já defendi em outras ocasiões, o planejamento estratégico tradicional não funciona. Não vou repetir aqui os argumentos em detalhes, mas o resumo da ópera é que o planejamento estratégico tradicional é rígido, ignora a Cultura Organizacional e deixa de lado a Arquitetura Corporativa de Negócios da organização. Em outras palavras, o planejamento estratégico tradicional não provê uma Visão Holística para o negócio.

Planejamento Estratégico Holístico?

Dizer que o planejamento estratégico precisa ser holístico pode parecer absurdo, por redundante. Todo planejamento estratégico não é holístico, afinal de contas?

Infelizmente, não! Ao deixar de fora cultura e arquitetura, o cenário está pronto para que, no momento do desdobramento das metas estratégicas para as áreas de negócio, aconteça aquilo que é uma das maiores “pestes” das empresas: o isolamento em Silos, o Feudalismo Organizacional.

Cansamos de ver empresas com lindos planejamentos estratégicos – feitos com apoio de grandes empresas de consultoria – que, assim que desdobrados, perdem seu caráter sistêmico e holístico: cada departamento assume as suas metas estratégicas e ignora completamente as metas estratégicas no departamento vizinho. Também vemos metas estratégicas que batem de frente com a cultura da empresa e outras que estão completamente fora da realidade por não levar em conta a arquitetura da organização.

Mas essas observações críticas eu já fiz em diversas outras ocasiões.  Neste artigo, eu gostaria de propor algo mais positivo: um pequeno guia de Quatro Passos para que você faça o Planejamento Estratégico de sua empresa para o ano que vem de tal forma que a estratégia da empresa esteja sempre dentro do contexto da Visão Holística. Vamos a eles.

‌Passo 1: Defina sua Visão Estratégica Holística

O primeiro passo consiste em definir a Visão Estratégica Holística da organização, que consiste na definição (ou revisão) do Propósito e da Missão da empresa e de sua Visão De Negócio de longo prazo.

O Propósito da empresa responde à pergunta “Por que é que nós existimos?”  É a razão de sua existência. 

A Missão por outro lado, responde à pergunta “O que nós fazemos e para quem?”, incluindo, possivelmente, os benefícios que a organização provê a seus clientes e à sociedade.

Por sua vez, a Visão descreve “que cara” a empresa quer ter no futuro. A Visão tem que ser suficientemente específica e detalhada para prover um Norte para todos os colaboradores, especialmente o time de liderança. Nos momentos de dúvida e crise, a Visão funciona como a direção a ser perseguida, ajudando na tomada de decisões difíceis. Por outro lado, como vivemos em um mundo de transformações cada vez mais rápidas, a Visão tem que ser suficientemente flexível para permitir que a organização se adapte às mudanças que necessariamente encontrará pelo caminho.

Algumas empresas combinam Propósito e Missão em uma única declaração, e está tudo bem, desde que tanto as perguntas “por quê” e “o quê e para quem” estejam respondidas.

Uma boa discussão mais aprofundada sobre esses conceitos pode ser vista neste artigo e nesse outro.

Passo 2: Defina sua Cultura Intencional

Como já dissemos em outras ocasiões, toda empresa tem uma cultura organizacional. Esta cultura organizacional pode surgir ou emergir aleatoriamente ou pode (e deveria) ser uma Cultura Intencional. É função do time de liderança definir qual é a cultura organizacional que a empresa quer ter. Isto é a Cultura Intencional, ou seja, uma cultura que tem uma intenção por trás.

A Cultura Organizacional – que é o conjunto de crenças e valores compartilhados pelos membros da organização e que influenciam o seu comportamento – para que seja intencional, tem que passar evidentemente pela identificação e alinhamento das crenças e valores dos fundadores e do time de liderança da organização. E aqui temos uma atividade fundamental para o planejamento estratégico que rarissimamente é feita e que atrapalha muito na hora de obter um Planejamento Estratégico Holístico: o trabalho de autoconhecimento por parte dos fundadores e líderes da empresa e o esforço de alinhamento cultural. Embora existam técnicas bem estabelecidas para fazer isso, tais como a Análise de Crenças e Valores, essas técnicas raramente são usadas no contexto do planejamento estratégico.

Como a observação final, vale lembrar que, numa empresa onde as crenças e valores de seus líderes não estejam alinhadas, os riscos para o atingimento da Visão são enormes. Se os líderes acreditam e dão valor a coisas diferentes e muitas vezes contraditórias, como é que eles podem remar na mesma direção?

Passo 3: Defina sua Arquitetura de Negócio

 O terceiro passo é definir a Arquitetura da organização.

 Podemos falar em arquitetura externa e arquitetura interna.

Arquitetura externa diz respeito ao contexto organizacional dentro do qual a organização se encontra. É aqui que entram as técnicas tradicionais de planejamento estratégico tais como as Análises SWOT, PESTEL, Cinco Forças etc. Esse aspecto do planejamento estratégico é muito conhecido e não precisamos entrar em detalhes sobre ele agora. Infelizmente, na maioria dos casos que vemos, o que a empresa chama de “planejamento estratégico” se resume à aplicação destas técnicas seguida imediatamente da definição de metas e objetivos.

Já a arquitetura interna é aquela usualmente conhecida como Arquitetura Corporativa ou Arquitetura de Negócio.  Poderíamos dizer que a Arquitetura Corporativa é o autoconhecimento da empresa e é tão necessário quanto o autoconhecimento individual das pessoas físicas que são os líderes do negócio. Em outras palavras é o autoconhecimento da pessoa jurídica. Passa pela identificação em alto nível de todos os itens representados no quadro abaixo e da relação entre eles, tanto em sua situação atual quanto desejada, ou seja, baseada na Visão.

Embora eu já tenha discutido em maiores detalhes a questão da Arquitetura, neste artigo eu gostaria de chamar a atenção para uma “caixinha” específica: a das Competências Gerenciais.  

Como eu disse acima, é fundamental que exista alinhamento de propósito, crenças e valores entre os membros do time de liderança da organização. Por outro lado, é fundamental que haja uma diversidade de estilos de liderança entre esses mesmos membros. O modelo que eu uso em meus treinamentos e projetos de consultoria – no que diz respeito a esta necessária diversidade – é o da teoria Adizes, que prega que deve haver equilíbrio entre os quatro papéis ou perfis gerenciais representados pelas iniciais PAEI:  Produtor, Administrador, Empreendedor e Integrador. Esses quatro papéis sempre precisam estar presentes, embora a importância relativa entre eles varie conforme o momento do Ciclo de Vida em que a organização se encontra.

A razão pela qual eu quis destacar esse assunto aqui é porque a análise dos papéis PAEI é uma das atividades fundamentais que tem que ser feitas durante o planejamento estratégico. Identificar e endereçar os gaps no mix de estilos gerenciais do time de liderança é essencial para que o plano estratégico funcione. Ou seja, não é alguma coisa que pode ser deixada para depois.

Passo 4: Defina seus Objetivos, Metas e seu Roadmap Estratégico

O planejamento estratégico tradicional começava com a definição de objetivos e metas. Mais tarde veio o reconhecimento da necessidade também de estabelecer os aspectos de Visão, Missão e Propósito. Também se começou a discutir a questão dos Valores, mas muitas vezes sem perceber que os valores são apenas uma parte da Cultura Intencional.

Como vimos neste artigo, só agora, depois de ter definido Visão, Propósito, Missão, Cultura Intencional e de ter feito a análise do ambiente externo e da arquitetura interna da organização, só agora – repito – a empresa está pronta para definir seus objetivos e metas estratégicos. Mas nem isso basta. É necessário que esses objetivos e metas sejam associados a iniciativas, que se transformarão em projetos. O Portfólio de Programas e Projetos necessários para implementar a Estratégia de forma Holística, levando a empresa a cumprir o seu Propósito e Missão e atingir a sua Visão, precisa agora ser priorizado e jogado em uma linha de tempo: o famoso Roadmap Estratégico – quais são os projetos, quais são as dependências entre eles, e em que ordem serão executados.

Conclusão

Espero ter conseguido cumprir o meu objetivo com este artigo: mostrar que o Planejamento Estratégico Holístico vai muito além do planejamento estratégico tradicional ao incluir os conceitos de Cultura intencional e Arquitetura de Negócios e, com isso, garante que a visão do todo nunca se perca e que, portanto, mudanças de curso diante de obstáculos possam ser feitas de forma muito mais ágil é flexível.

Acredito que, sem a Visão Holística do Planejamento Estratégico, vamos continuar tendo o que tivemos nas últimas décadas: planos estratégicos que raramente são cumpridos.

 

Para maiores informações, não deixe de assistir aos webinars gravados e organizados na playlist “O que é um Negócio” no Youtube. Aproveite para se inscrever no canal!

 

Já faz algum tempo que os métodos ágeis estão na moda. E com bom motivo. As ideias por trás deles são sólidas e vieram para ficar.

Mas, em muitos casos, a adoção de métodos ágeis não resolveu os problemas que se propunham a solucionar e ainda criaram problemas novos.

No auge de sua fama, criaram-se “igrejinhas” que iniciaram uma “Guerra Santa” entre Waterfall e Agilidade.

Essa guerra, na minha opinião, não faz sentido, porque ambos os lados estão parcialmente certos e apresentam argumentos sólidos para suas posições. A solução, como quase sempre, está em algum tipo de meio termo.

Mas, de qualquer forma, ambos os lados desta guerra sofrem com a falta de Visão Holística. Pode ser argumentado que a adoção em massa de métodos ágeis não só não resolveu, mas aprofundou o problema dos Silos de Informação que já existiam nos métodos mais antigos.

Histórico dos Métodos Ágeis

Os métodos ágeis surgiram no contexto do desenvolvimento de software e depois se expandiram para outras atividades dentro das empresas.

É bom lembrar que, no contexto do desenvolvimento de software, as ideias por trás dos métodos ágeis não podem de forma alguma serem consideradas novas. As discussões sobre o assunto se iniciaram na década de 1950. Meu primeiro contato pessoal com o assunto foi através do RAD (Rapid Application Development) e do “ciclo de vida espiral” de Barry Boehm (anos 80 e 90). Depois veio a moda do “desenvolvimento iterativo e incremental” e do “Unified Process“,  mais tarde o XP (Extreme Programming), o SCRUM, o PSP/TSP de Watts Humphrey e, finalmente, o “Manifesto Ágil” em 2001.

Em comum, todos esses métodos têm como características as seguintes ideias de fundo:  fazer “as coisas” de forma incremental, em ciclos curtos de tempo (normalmente fixos – Time Boxes), usando um time multidisciplinar que interage próxima e frequentemente com os usuários ou clientes das “coisas” que estão sendo criadas.

Coloco “coisas” entre aspas porque, no início, essas “coisas” eram exclusivamente software, mas, posteriormente, os sucessos alcançados levaram à expansão do conceito para outras áreas.  Hoje vemos Planejamento Estratégico Ágil, Desenvolvimento Ágil de Novos Produtos, Arquitetura Corporativa Ágil e até mesmo Gestão de Pessoas Ágil. O conceito, definitivamente, “pegou”.

Benefícios e Limitações dos Métodos Ágeis

De forma geral, os benefícios dos métodos ágeis são bem conhecidos: entregas mais rápidas e mais aderentes às necessidades dos clientes figuram entre as mais importantes. Há uma literatura imensa disponível na internet sobre esses benefícios e, portanto, não tenho intenção aqui de entrar em detalhes. 

Por outro lado, alguém importante no ecossistema de métodos ágeis (Scott Ambler talvez, mas não me recordo exatamente) disse alguma coisa como “métodos ágeis funcionam quando sua empresa tem um único software para ser desenvolvido”.  Pode parecer uma declaração bombástica e exagerada, mas não está muito longe da verdade, especialmente quando levamos em conta apenas a primeira geração de métodos ágeis. Esses métodos eram nada mais nada menos do que métodos de gestão de projetos e, portanto, aplicáveis individualmente a cada projeto, sem levar em conta a visão do todo, sistêmica, ou seja, aquilo que costumo chamar de Visão Holística.

Em um ambiente de muitos sistemas complexos e interligados, projetos ágeis tem grande dificuldade em prover a integração necessária e em reduzir ou impedir redundância e retrabalho.

Não demorou muito para que essas limitações fossem percebidas, especialmente quando os métodos ágeis começaram a ser usados em peso em grandes empresas.

Por conta disso, muitas soluções para essa questão foram propostas.

Soluções e suas Respectivas Limitações

Talvez a mais famosa dessas propostas de solução seja o SAFe (Scaled Agile Framework), embora existam muitas outras como o DAD (Disciplined Agile Delivery) – esse último do próprio Scott Ambler. Há algum tempo, fiz um webinar discutindo esses frameworks e sua aplicabilidade em relação a Arquitetura Corporativa de Negócio, especialmente diante da questão de se é possível ter uma Arquitetura Corporativa Ágil. Você pode rever essa discussão aqui.

Embora essas propostas ajudem a resolver várias das limitações dos métodos ágeis “puros”, elas ainda contam com as suas próprias limitações. Ou seja, não chegaram a uma Visão Holística completa por ainda estarem muito limitadas, por seu contexto histórico, a processos parciais dentro das empresas; em particular, à tecnologia da informação e o desenvolvimento de software.

Visão Holística: Agilidade com Contexto

A Visão Holística, como tenho defendido em vários artigos, parte da visão tripartite das organizações, ou seja,  da adoção da metáfora humana às empresas, vendo-as como um composto de Mente (Estratégia), Corpo (Arquitetura Corporativa de Negócio) e Alma (Propósito e Cultura Organizacional Intencional).

Embora o SAFe e outras propostas mais recentes toquem nos assuntos de arquitetura e cultura, eles ainda o fazem de maneira ambígua e superficial. Precisamos ir mais longe.

Para termos de verdade uma Visão Holística, Precisamos de colaboradores que sejam mais generalistas e tenham visão sistêmica e um conjunto de soft skills fundamental, do qual muito se fala, mas pouco se faz.

 Um possível caminho para atingirmos esse estado passa pelas seguintes etapas:

  1. Adoção de uma prática de Arquitetura Corporativa
  2. Adoção de práticas que levem a empresa a uma Cultura Intencional
  3. Modificação na forma atual de se fazer planejamento estratégico, passando a ver a Estratégia como algo inseparável da Arquitetura e da Cultura
  4. Desenvolvimento dos Soft Skills dos colaboradores

Já falei de alguns desses assuntos em artigos recentes (e nem tão recentes) que estão listados no link acima para quem quiser se aprofundar. Mas voltarei a eles todos entrando em mais detalhes sobre cada uma dessas etapas em artigos futuros.

Por enquanto, recomendo a minha playlist no YouTube “O que é um negócio” onde esses assuntos são tratados em mais detalhe.

Mas o resumo da Ópera é o seguinte: métodos ágeis são ótimos, mas, tomados isoladamente, são “sub-ótimos”, ou seja, soluções parciais que, se não tomarmos cuidado, produzem mais problemas do que aqueles que estávamos tentando resolver.

 

Transformação Digital é uma das buzzwords do momento. Todo mundo quer fazer ou diz que está fazendo.

No entanto, pesquisas mostram que no máximo um terço dos esforços de transformação digital estão bem encaminhados. Pessoalmente, acho esse número exagerado. Pela minha experiência, acredito que o número de projetos de transformação digital que darão certo é bem menor do que 33%.

Isso acontece por muitos motivos e gostaria de falar de alguns deles agora.

O “motivo zero”, que nem vou colocar na conta, é que cada pessoa falando de “transformação digital” está normalmente se referido a uma coisa diferente.

Há quem pense que transformação digital é comprar a tecnologia mais recente e brilhante. Há quem confunda transformação digital com automação do back office. E ainda existem gestores que pensam que transformação digital é algo que possa ser feito separadamente em cada departamento ou área da empresa.

De forma geral, o que parece estar faltando na maioria dos casos é boa e velha Visão Holística da organização.

Quem acompanha o meu trabalho sabe que sempre insisto neste assunto, e que, para mim, a Visão Holística é composta de três partes coordenadas, a Estratégia, a Arquitetura Corporativa de Negócio, e a Cultura Organizacional da empresa.

Usando esse referencial, vamos ver em seguida como é que a falta de alinhamento com cada um desses três itens impede projetos de transformação digital de darem certo. Depois disso, falaremos de dois itens adicionais: as deficiências em soft skills nas equipes das empresas e, por último, o fato surpreendente e paradoxal de que algumas das empresas que dizem estar fazendo transformação digital na verdade já o fizeram.

1. Desalinhamento com a Estratégia

A transformação digital diz respeito à utilização das tecnologias digitais para a transformação do negócio como um todo. Então, é evidente que a ideia de transformação digital não pode ser apenas um item no Plano Estratégico, mas sim uma espécie de “pano de fundo” ou premissa sobre a qual a estratégia da empresa como um todo é desenhada.

É fácil identificar estes desalinhamentos: executivos da alta administração (C-Level) não engajados nem comprometidos, metas estratégicas que ignoram completamente a ideia de transformação digital, falta de objetivos e iniciativas de inovação e assim por diante.

Talvez o indicador mais marcante desta falha seja a ideia de que “a transformação digital é responsabilidade do CIO”.

Enquanto a transformação digital não for vista como atribuição e responsabilidade dos níveis mais altos administração da empresa (do time de liderança como um todo, não apenas do CIO) ela simplesmente não vai acontecer.

2. Falta de atenção à Arquitetura Corporativa de Negócio

Nesta categoria caem as iniciativas de transformação digital isoladas, vistas como responsabilidade de áreas ou departamentos separados. Normalmente, isto é consequência do problema identificado no item anterior.

Mas mesmo em organizações onde existe comprometimento pelo C-Level, vemos os executivos chefes de cada área tentando fazer a tal transformação digital isoladamente dos demais. Isso leva a redundâncias, retrabalho, falta de integração e às enormes dificuldades em termos de tempos e custos quando se quer fazer qualquer mudança.

Na falta da visão sistêmica, integrada, holística que a arquitetura corporativa de negócio dá, em vez de transformação digital vemos uma série de “transformações digitais” parciais, que não falam umas com as outras.

3. Desalinhamento com a Cultura Organizacional

O relacionamento entre cultura organizacional e transformação digital é complexo e de duas mãos.

Por um lado, não adianta tentar transformar digitalmente a organização numa direção incompatível com a sua cultura, ou seja, seus valores e crenças básicos compartilhados. Se, por exemplo, um dos valores da empresa é o atendimento pessoal (e não apenas personalizado) a cada cliente, e a empresa pretende preservar este valor, todo esforço de transformação digital tem que levar isso em conta, ou seja, novas formas, mais digitais, de relacionamento com o cliente não poderão substituir completamente relacionamento individual e pessoal.

Por outro lado, a transformação digital pode exigir mudanças na cultura da organização. Isso é sempre difícil, tanto por razões políticas quanto pela velha “resistência à mudança”, que ocorre em qualquer processo de transformação, digital ou não.

Se, por exemplo, a empresa não tem uma cultura de excelência no atendimento ao cliente, é improvável que a transformação digital funcione, uma vez que um dos seus pontos principais é justamente usar as tecnologias digitais para atender melhor a estes mesmos clientes.

Levar em conta a cultura organizacional nos processos de transformação digital significa, portanto, reavaliar a cultura tal como ela é hoje, decidir o que quer ser mantido e o que precisa ser mudado, e planejar e executar estas mudanças. No caso dos aspectos da cultura que merecem ser mantidos, isto tem que influenciar o desenho das iniciativas de transformação digital.

4. Falta de Soft Skills

Embora este item esteja relacionado ao anterior, por sua importância ele merece aqui um tratamento à parte.

Sem a aquisição dos chamados soft skills por parte dos colaboradores da empresa, qualquer esforço de transformação digital será muito difícil.  Competências tais como visão sistêmica, negociação, trabalho em equipe, comunicação (e assim por diante) são fundamentais para superar os obstáculos mencionados nos itens anteriores.

Infelizmente, a imensa maioria das empresas, com ou sem projetos de transformação digital, ignoram solenemente esta questão. Seus programas de treinamento e capacitação de funcionários não incluem esses itens, essas competências mal aparecem nos processos de definição de metas e avaliação de desempenho e nos demais processos de Gestão de Pessoas.

Poucas empresas pensam em fazer transformação digital sem a participação da área de TI (embora muitas achem que a responsabilidade é exclusivamente da área de TI, como vimos mais acima). Infelizmente, muitas tentam fazer isso sem o engajamento da área de Gestão de Pessoas.  Não vai dar certo.

5. Você já fez

Este último item tem relação com aspecto de buzzword da expressão “transformação digital”.

Como todo mundo quer aparecer bem na foto dizendo que está fazendo “transformação digital”, acabamos por ver a situação levemente bizarra de empresas abraçando a expressão que, na realidade, já fizeram ou estão fazendo transformação digital há décadas. Refiro-me, por exemplo, às empresas do setor financeiro, especialmente os grandes bancos.

Poderíamos simplificar a definição de “transformação digital” dizendo que um de seus aspectos principais trata de disponibilizar a tecnologia para os clientes finais da empresa, e não apenas para os próprios funcionários, que é o caso da automação de processos tradicional. “O Usuário é o Cliente!”  é o lema vinculado a esta ideia.  Ora, é o que as grandes empresas que usam a tecnologia para se relacionar diretamente com os clientes, como os bancos, vêm fazendo há décadas.

Claro que isso não significa que tudo é perfeito, lindo e maravilhoso. Transformação digital é um processo contínuo, não acaba nunca. Mas tem muita gente que já começou faz décadas. E é levemente engraçado ver essas empresas anunciando que estão “fazendo transformação digital” como se tivessem embarcando nisto agora.

Conclusão

O resumo da ópera é que, se as empresas querem que transformação digital passe do nível de buzzword para a realidade, elas terão que garantir que todo o time de alta administração tenha a visão holística necessária, que ela não seja apenas mais um item mas sim o pano de fundo de toda a estratégia da empresa, que existam processos de arquitetura corporativa de negócio que garantam a implementação de novas tecnologias de maneira ordenada e integrada, e que os aspectos culturais e políticos sejam levados em conta de forma muito mais profunda do que normalmente são.

Para saber mais sobre Visão Holística, veja a minha playlist “O que é um Negócio” no Youtube.

 

Todo mundo conhece Alex Osterwalder e seu Business Model Canvas.

Sua empresa, a Strategyzer, já é famosa por “inovar no assunto inovação”, e eles acabam de lançar um novo Canvas: o Innovation Project Scorecard.

Trata-se de uma ferramenta destinada a ajudar equipes de inovação em seu progresso na direção de novos produtos e serviços. Serve tanto para Startups quanto para equipes de inovação em empresas já estabelecidas.

A ferramenta é mais ou menos autoexplicativa, mas, mesmo assim, pretendo criar nos próximos dias uma aula online para apresentá-la e discutir sua aplicação.

Uma das coisas que me chamou a atenção na ferramenta é que, logo na primeira pergunta, ela toca em uma questão na qual eu sempre insisto e vejo muito pouco levada em consideração na maioria das empresas: a sua Cultura Organizacional.

A “questão cultural”, como eu sempre insisto, é quase sempre deixada de fora tanto no Planejamento Estratégico quanto nos esforços de inovação, incluindo a Transformação Digital, da qual todo mundo fala, mas muito pouca gente sabe do que se trata.

Não adianta planejar nem inovar se você não leva em consideração a cultura de sua empresa. O pior é que a maioria das empresas nem sequer sabe qual é a sua cultura…

A cultura da empresa é influenciada principalmente pelas crenças e valores de seu time de liderança. Pode parecer difícil de acreditar, mas a maioria dos fundadores, sócios e executivos de empresas não tem autoconhecimento suficiente sequer para saber quais são suas próprias crenças e valores! O resultado é o surgimento de uma cultura disfuncional e frequentemente caótica.

Some-se a isso o frequente desconhecimento da arquitetura interna de negócio da empresa e temos a tempestade perfeita.

Venho defendendo a metáfora do ser humano para descrever a empresa. Se levarmos em conta a tríade mente-corpo-espírito de uma pessoa, podemos imaginar empresa similarmente como uma tríade de mente (estratégia), corpo (arquitetura) e espírito (propósito e cultura).

Caso esses três elementos não estiverem organicamente alinhados, o resultado será uma empresa com problemas.

A solução? Obviamente, integrar e alinhar esses três elementos. Planejar olhando a arquitetura e a cultura, entender a arquitetura atual e desenhar a arquitetura futura olhando para o propósito, visão e planos estratégicos e tomar o controle sobre a cultura organizacional, procurando guiá-la na direção de uma Cultura Intencional.

Cada um desses assuntos merece um ou vários livros, de modo que é claro que não é possível detalhá-los aqui neste momento. Mas vou tratar em mais detalhes de cada um deles em artigos futuros publicados aqui.

Para já, ficarei satisfeito se o meu leitor entender a futilidade do planejamento estratégico desconectado da arquitetura e da cultura da empresa. tenho feito palestras para empreendedores e empresários sobre este assunto e a reação, em geral, é unânime: o problema é óbvio, universal e quase ninguém faz nada a respeito.

Mas estar alerta para o problema é, como sempre, o primeiro passo para resolvê-lo.

Cultura e Poder em Projetos

Comecei neste mês a ministrar a disciplina Cultura e Poder em Projetos para a 10a e a 11a turmas do curso de pós-graduação em Gerenciamento de Projetos do SENAC-SP. Ministro esta disciplina desde 2000, quando tivemos as primeiras turmas do curso e, desde então, ela vem sendo avaliada pelos alunos como uma das melhores do curso. Isto se deve ao fato de que o conteúdo abordado – Sociologia e Ciência Política aplicados às Organizações e aos Projetos – é visto pelos alunos como um complemento fundamental aos temas vistos nas demais disciplinas do curso, que versam principalmente sobre as áreas de conhecimento do Guia PMBOK. A idéia é alertar aos alunos para o fato de que um projeto “tecnicamente perfeito” – ou seja, empregando as boas práticas do PMBOK – nem por isso tem seu sucesso garantido, já que a atenção aos aspectos da Cultura Organizacional e das Relações de Poder ali existentes é fundamental para garantir o sucesso do projeto.

O conteúdo da disciplina é o mesmo do curso homônimo que ministramos na Gnosis.

Terceiro artigo da série Arquiteto: Profissão do Futuro – Por onde começar?

Ai estamos com mais uma parte da série. Deste vez, listamos os principais conhecimentos necessários ao Arquiteto Corporativo. Boa leitura e não dei de comentar e deixar sua opinião!

Arquiteto Corporativo: Por onde começar?

Mais um artigo sobre Arquitetura do Gartner na Info Corporate

Artigo Gartner - Info Corporate
Artigo Gartner – Info Corporate

Conforme comentei em outro post recente, o Gartner tem sido generoso com o tema Arquitetura Empresarial. Nesta semana, tivemos mais um novo artigo sobre o tema.

Desta vez, o artigo foca em “fatores de sucesso” para a implantação de Arquitetura Corporativa. Você pode ler aqui o artigo com highlights e anotações minhas, ou pode clicar aqui para ler o artigo original (é a mesma página, mas sem meus highlights e comentários).

(Parênteses: recomendo fortemente essa funcionalidade do Diigo para quem gosta de compartilhar artigos. Você consegue publicar um link para a própria página que você quer compartilhar, mas só que com marcações e anotações suas. Muito mais prático do que enviar o link para o texto e comentar dentro de um e-mail, por exemplo… Fecha parênteses.)

O que mais me chamou a atenção neste artigo foi o resultado da pesquisa que mostrou que 95% dos arquitetos-chefe respondem ao CIO. Eu esperava que no “primeiro-mundo” já houvesse uma proporção maior de Arquitetos respondendo para executivos de negócio. Não posso negar que fiquei um pouco decepcionado. Mas, por outro lado, isso também mostra que o número de CIOs mais antenados nas necessidades do negócio do que na escovação de bits está aumentando, o que é uma boa notícia!

A História da Segunda Guerra Mundial nos dá um exemplo da diferença que pode fazer a aplicação de alguns conceitos, hoje bem conhecidos, da Gestão de Conhecimentos, e a atenção aos aspectos culturais da organização.

Quem se interessa por esse período histórico e, especialmente, pela Guerra Aérea e Aeronaval, tanto na Europa quanto no Pacífico, espanta-se, a principio, ao ver o desempenho relativo dos pilotos de caça norte-americanos, comparados aos japoneses e alemães. Esses últimos parecem ter tido desempenho muito melhor, apesar de terem perdido a guerra.

Um “Ás” era definido, por cada Força Aérea, como um piloto de caça que tivesse obtido um número de “vitórias” superior a um nível pré-determinado. Uma “vitória” é a derrubada confirmada de um avião inimigo de qualquer tipo (um bombardeiro, um transporte, outro caça ou qualquer outra aeronave militar).

Quando se lê a respeito dos ases alemães e japoneses, é freqüente vermos referências a números de vitórias superiores a 200 ou 300. Já um piloto americano era considerado um “ás” com 10 vitórias. Olhando assim, parece ser um ás meio “fajuto”, não é?

O fato é que os americanos adotaram uma política muito inteligente, que era a de condecorar o piloto como ás quando ele obtivesse sua décima vitória, e enviá-lo de volta aos Estados Unidos para ser instrutor de combate aéreo. Promoção, medalha, fanfarra, festa, tapinhas nas costas e “go back home”. Os pilotos nem sempre gostavam disso, pois, para muitos, isso era como uma “aposentadoria compulsória”, afastando-os das glórias do combate no front.

Essa política, porém, mostrou-se extremamente acertada, a ponto de Matsuo Fuchida – o comandante das forças japonesas que atacaram Pearl Harbor e da força aérea embarcada nos porta-aviões japoneses até a batalha de Midway – dizer que esta foi uma das razões para a derrota do Japão na Guerra. O livro de Fuchida serviu de base para o roteiro do clássico de Hollywood “Midway”, com Charlton Heston. O próprio Fuchida aparece como personagem no filme.

O Japão havia adotado o que Fuchida chamou de “Política dos Ases”, em que os pilotos mais experientes e habilidosos eram mantidos nos porta-aviões, combatendo até a morte. Como resultado, não havia instrutores experientes no Japão para treinar novos pilotos. No fim da Guerra, havia pouquíssimos pilotos japoneses experientes. Os pilotos Kamikase, aliás, tinham um treinamento de vôo de duas semanas, e eram os piores entre os alunos-piloto (os que apresentavam alguma habilidade eram destacados para missões “normais” de combate).

Assim, os EUA deram um exemplo de “transformação do conhecimento tácito em tácito”, para usar o modelo de Nonaka e Takeuchi (1997). Segundo Polany (1966) o conhecimento pode ser tácito ou explícito. O conhecimento tácito é pessoal, específico ao contexto e difícil de ser formulado e comunicado. Uma ótima cozinheira pode não ser capaz de explicar formalmente o que é que faz com que seus quitutes sejam tão bons. O conhecimento explícito, por sua vez, é codificado, transmissível em linguagem formal e sistemática. Pode, por exemplo, ser adquirido em livros. Para Nonaka e Takeuchi, os dois tipos de conhecimento podem ser “convertidos”, ou transmitidos, um para outro, de modos distintos. A conversão de tácito para tácito é chamada pelos autores de “socialização”, que é um processo de compartilhamento de experiências. É exatamente o caso aqui, o ensino prático de pilotagem de aviões.

A instrução de vôo é um exemplo límpido deste tipo de transmissão de conhecimentos. Por mais que o aluno-piloto leia manuais, aprende a voar voando. E o instrutor é essencial nesse processo, quando a demonstração e a imitação são os fatores mais importantes.

Nada substitui um instrutor experiente em combate numa situação dessas. O fato de os novos caçadores americanos terem sido ensinados por pilotos de caça excepcionais pode ter feito uma enorme diferença na Guerra.

Não deixa de ser irônico que tenham sido dois autores japoneses a destacar o bom gerenciamento do conhecimento tácito como a causa principal da superioridade de algumas empresas japonesas sobre americanas, em termos de inovação, uma vez que o episódio que estamos considerando trata justamente da superioridade americana nessa empreitada sobre os japoneses, na Guerra, através exatamente do conhecimento tácito.

Cultura

Não seria exagerado afirmar que as Culturas Organizacionais das diferentes forças aéreas tiveram influência decisiva na política para com os ases e, portanto, nos seus resultados durante a guerra.

A Cultura, entre outras coisas, diz respeito às crenças e valores compartilhados pelos membros da organização. Na carreira militar, o “caçador”, ou seja, o piloto de caça, é normalmente visto como um herói solitário e, de fato, é comum que esses pilotos sejam frequentemente individualistas, de forma um pouco paradoxal, já que as Forças Armadas são, essencialmente, um empreendimento baseado do trabalho em equipe.

A Cultura das forças aéreas japonesa e alemã era de forte individualismo, e o “estrelismo” dos ases era incentivado pelos altos escalões. Os ases eram propostos como heróis nacionais e tratados como celebridades, como exemplo para os concidadãos. Havia, inclusive, um incentivo insano à competição interna, em que os pilotos procuravam em primeiro lugar obter mais vitórias do que os demais pilotos do esquadrão, às vezes levando-os a colocar isso acima dos objetivos ou mesmo da segurança da missão.

Na força americana, sem matar totalmente essa característica, havia muito maior atenção aos valores de trabalho em equipe e transmissão de conhecimento e experiência. É claro que existia aí também a competição, mas sua importância era muito menor, e tudo era feito em um clima de camaradagem.

Lições

Este exemplo serve para ilustrar como a Cultura Organizacional pode influenciar esforços de Gestão de Conhecimento nas organizações. É praticamente impossível fazer dar certo um esforço desse tipo se a cultura for, por exemplo, de incentivo ao individualismo e à competição interna. Se minha empresa me incentiva a ver meu colega de trabalho como um concorrente, porque eu pararia o que eu estou fazendo para gastar meu precioso tempo para, ainda por cima, passar para meu concorrente (o colega!) o meu conhecimento?

Quando falo de Gestão do Conhecimento, não me refiro somente a esforços “explícitos” nesse sentido, como, por exemplo, um “Projeto de Portal Corporativa com Ferramentas de Colaboração” (Wiki, por exemplo).  Quase todos os grandes projetos que as empresas estão desenvolvendo hoje, como implantação de CMMI, COBIT, ITIL, PMO e que tais, possuem um imenso componente de Gestão do Conhecimento. Você não pode esperar por um “Projeto de Gestão de Conhecimento” para colocar essas práticas em ação se você estiver implantando, por exemplo, melhoria de processos segundo o CMMI. A definição de um processo puro e simples, por exemplo, não garante seu entendimento e utilização. Novos colaboradores aprendem fazendo e, principalmente, através do exemplo dos colegas mais antigos. Ou seja, socialização do conhecimento. E, sem isso, evidentemente, não teremos a institucionalização, requerida pelo modelo.

A Cultura se manifesta em artefatos visíveis. Não basta um belo discurso de incentivo ao compartilhamento do conhecimento. As práticas de Gestão de Pessoas, por exemplo, tem que estar alinhadas com esses valores. Se, por exemplo, os critérios para avaliação de desempenho, promoção e remuneração variável estiverem focados no desempenho individual do colaborador, ele receberá da organização a mensagem de que o discurso é “só pra inglês ver”. Portanto, esforços de Gestão do Conhecimento só dão certo com uma Cultura adequada, que se manifeste em políticas e práticas de Gestão de Pessoas consistentes com ela. Ao escolher alguém para promoção, a empresa tem que levar em conta o quanto ele se dedica a compartilhar seus conhecimentos com os colegas. Na hora de conceder bônus, o tempo e o esforço dedicados a ensinar os colegas têm que ser levados em conta.

Ases solitários e instrutores

Outra lição importante aqui deveria ser absorvida pelas empresas. Quando o conhecimento tácito está envolvido, é muito mais produtivo que os trabalhadores mais experientes gastem seu tempo instruindo os mais novos do que apenas executando suas tarefas. Um Desenvolvedor experiente, por exemplo, pode aumentar a qualidade do desenvolvimento de software em todas as equipes de uma empresa, caso seja destacado para o “peer review” do trabalho de todos. O resultado final será o aumento da qualidade no trabalho das diversas equipes. Caso este expert seja mantido a cuidar apenas do “seu sistema”, este poderá alcançar enorme qualidade, mas apenas ele. Poderemos ter um software fantástico junto a todos os outros de qualidade medíocre. Caso o expert seja destacado para revisar o trabalho dos outros, poderemos ter todas as equipes produzindo software de boa qualidade, mesmo que nenhum deles seja excepcional. Na média, o resultado é sempre melhor. Mas é difícil encontrar empresas dispostas a abrir mão do trabalho especializado de um expert, transformando-o em formador das novas gerações de trabalhadores. A “Política dos Ases” japonesa, como se vê, fez escola.

Publicado originalmente em 1-11-2002

Revisado e ampliado em 18-9-2007

 

Referências:

NONAKA, I. e Takeuchi, H. Criação de Conhecimento na Empresa. São Paulo, Campus,1997.

POLANY, M. Personal Knowledge. Chicago, University of Chicago Press, 1958.

FUCHIDA, M. e Okumiya, M. Midway. São Paulo, Flamboyant, 1967.

O fracasso de um projeto raramente se deve a problemas técnicos. A popularização de modelos e referências como o Guia PMBOK®, o CMMI® e o RUP® foram fundamentais para disseminar as melhores práticas de gestão de projetos, minimizando as ocorrências de erros grosseiros na sua condução.

Entretanto, referências como o Guia PMBOK® concentram-se fortemente nos aspectos técnicos dos projetos. Os aspectos humanos, sociais e comportamentais do projeto não recebem ênfase proporcional à criticidade que têm para o sucesso do projeto. Esses aspectos são muitas vezes chamados de aspectos “soft”, o que não deixa de ser irônico, já que são quase sempre os mais difíceis de lidar. Podemos imaginar, porém, que o “soft” refere-se ao fato de que esses aspectos são mais ambíguos, sem contornos muito bem definidos, em contraste aos aspectos “hard” que, sendo mais técnicos, possuem fronteiras bem delimitadas e, com freqüência apresentam “resposta certa”.

Os dois aspectos “soft” mais importantes em qualquer projeto são: Poder e Cultura.

Embora existam inúmeras definições para esses termos, podemos dizer que Poder, neste contexto, diz respeito à capacidade que alguém possui de fazer com que outras pessoas atuem da forma como ele, o detentor do Poder, deseja. Cultura, por outro lado, pode ser definida como o conjunto de crenças e valores compartilhados pelos membros de um grupo (por exemplo, os colaboradores da organização) que orientam o pensamento e a ação dos mesmos.

A Cultura Organizacional tem profunda relação com os projetos conduzidos na organização. Por um lado, a cultura impõe limites aos projetos. Alguns projetos podem ter seu escopo severamente restringido pela cultura e, no limite, serem pura e simplesmente inviáveis. Projetos de Gestão de Conhecimento, por exemplo, em que o compartilhamento do conhecimento é fundamental, tem baixíssima probabilidade de vingar em ambientes com cultura altamente competitiva e estrutura autoritária. As pessoas simplesmente não vêem por que deveriam compartilhar o conhecimento que lhes dá vantagens competitivas diante dos colegas ou poder de negociação diante da chefia.

Por outro lado, todo projeto, a não ser os mais triviais, causa impacto na cultura. Isso porque os projetos tipicamente levam a mudanças na forma de trabalho das pessoas, o que basta para modificar aspectos da cultura. Em certos casos, o objetivo do projeto é justamente provocar a mudança cultural, como é o caso na maioria dos projetos de Gestão de Pessoas. Nestes casos, o que se procura é que a mudança cultural leve a mudanças no comportamento das pessoas da organização.

Além da Cultura, é evidente que a questão do Poder também está muito presente. A maioria dos projetos envolve mudanças em processos de trabalho e no acesso à informação. Assim, cada projeto tem potencialmente dentro de si interesses conflitantes. A informação que se torna disponível para um grupo maior de pessoas transfere poder do grupo que originalmente a detinha, por exemplo.

De modo geral, se tomarmos como referência o Guia PMBOK®, veremos que esses assuntos são tratados muito superficialmente, sendo que as maiores referências se concentram quando se fala em análise de stakeholders na área de conhecimento de Gestão de Riscos, com algumas referências adicionais nas áreas de Comunicação e Gestão de Pessoas. Essas poucas referências podem, erradamente, dar a impressão de que são assuntos pouco importantes. No mundo real, há situações políticas que tornam um projeto sem nenhuma possibilidade de sucesso, havendo mesmo casos em que projetos são criados com o objetivo específico (ainda que velado) de dar errado (como exercício, o leitor pode imaginar situações em que isso pode acontecer). Numa situação dessas, não há PMP que salve o projeto, por mais competente que seja na aplicação das técnicas de gestão de projetos que aprendeu.

É claro que todo gerente de projetos experiente e bem-sucedido sabe de tudo isso. O problema é que raramente essas questões são tratadas de forma sistemática. As metodologias de gestão de projetos tipicamente não vão além de uma análise de stakeholders superficial no momento do planejamento.  Assim, o sucesso dos projetos acaba dependendo mais das habilidades políticas e sociais do gerente do projeto do que da aplicação das “melhores práticas” técnicas. Além disso, gerentes de projetos jovens e com pouca experiência podem levar anos “tomando na cabeça” até aprenderem (isso se não forem antes expelidos da profissão…)

É, portanto, necessária uma abordagem explícita e sistemática para essas questões. As metodologias de gestão de projetos (e os modelos e guias) precisam ser aprimorados nesse sentido. Mas, mais importante ainda, é fundamental que os novos (e também os não tão novos…) gerentes de projeto sejam capacitados a lidar com esses assuntos. Um gerente de projetos em cuja formação não estejam presentes os aspectos de Sociologia e Ciência Política relevantes à situação possui uma grave deficiência em sua capacitação que poderá ser, inclusive, o diferencial entre os gerentes de sucesso e os demais. Até porque o domínio de técnicas envolve conhecimentos e habilidades que, muito em breve, serão commodities.